20 de novembro de 2012

FuturoRP Interview - Cristina Micaroni H. Altieri




Relações Públicas FuturoRP

Quantas vezes você já questionou a profissão que representa? Comumente, estamos a perguntar por que determinado "problema" nunca é resolvido, por que não somos reconhecidos de "tal maneira", ou ainda por que não temos mais valorização em um "campo de atuação" específico. Pois é, com os relações-públicas não é diferente.

Estamos falando de uma profissão pouca compreendida com centenas de desafios a vencer no mercado, e eu, como jovem profissional da área, não poderia deixar de trazer alguns questionamentos à tona. Afinal, vejo a ação de questionar como um ato imprescindível a qualquer profissional (e cidadão). E nada melhor do que buscar alguém da área para questionar conosco.

Mas, nesse caso busquei alguém para ser questionado. O FuturoRP Interview de hoje falou com Cristina Micaroni H. Altieri, relações-públicas com ampla experiência em diversas áreas da comunicação, como gerenciamento de crise, assessoria de imprensa e comunicação interna, que trabalha como professora na ESAMC de Campinas, faculdade onde eu estudo.

Cristina, por quem nutro um carinho especial e com quem tive a oportunidade de aprender muito como aluno, foi solícita em responder às minhas nada politicamente corretas perguntas, nas quais questionei, inclusive, a atuação de nosso Conselho. Situação um tanto difícil para uma profissional experiente que, como RP, tem uma imagem própria a zelar. A conversa começou light e foi esquentando a partir da quinta pergunta, num bate-bola muito interessante. Vale a pena conferir:




                               
FuturoRP – Analisando o mercado atual em comparação à situação existente quando você iniciou sua carreira, o que mudou para o profissional de Relações Públicas de lá para cá?

Cristina Micaroni H. Altieri – Estou desde 1993 no mercado, e muita coisa mudou em relação às oportunidades. Hoje, as empresas perceberam a importância do profissional de RP, a importância do capital reputacional, da imagem, da comunicação institucional e não só mercadológica, e isso tudo acaba agregando valor ao profissional de RP, que tem uma visão mais abrangente dentro das empresas do que os outros profissionais de comunicação.

FuturoRP – E, diante desse novo contexto, qual a postura que o mercado espera do relações-públicas?

Cristina Micaroni H. Altieri - O mercado vê o relações-públicas como um profissional que sabe se relacionar e circular por qualquer grupo independente do status - sem diferença entre o presidente e o operador de fábrica - sabe se comunicar com qualquer público. Independentemente do nível cultural, social e econômico, o RP sabe se comportar à frente de riscos, crises e da vulnerabilidade do mercado. Afinal, empresas são vulneráveis, o ser humano é vulnerável, e é preciso flexibilidade para trabalhar com a vulnerabilidade também, com uma postura de relacionamento que agregue valor à empresa. Além disso, esse profissional deve saber se comportar e representar a imagem da empresa.

FuturoRP – Mesmo diante dessa clara necessidade que o mercado está reconhecendo, e diante dessa vulnerabilidade das empresas que, inclusive, tem se mostrado em diferentes crises recentemente, ainda temos o fato das pessoas não entenderem a importância do relações-públicas. O que ainda falta pro RP se tornar conhecido?

Cristina Micaroni H. Altieri – Complicado, né? É que o RP é um profissional tão de bastidores, ele faz pra alguém ou pra uma empresa e não aparece. É diferente do publicitário, que tem grandes nomes como Washington Olivetto, Nissan... Também temos nomes do jornalismo. Agora, ao falar de RP, temos apenas nomes acadêmicos. Não existem grandes revelações que as pessoas vão falar “ah, eu quero ser como fulano”. Claro que quem está nesse mundo acaba vendo, mas quem está fora não vê. Eu acho que a gente não soube fazer direito a lição de casa, de tanto cuidarmos dos bastidores acabamos não nos mostrando, e isso não é algo que vai ser do dia pra noite. Mas, já está mudando. Nos Estados Unidos, ao falar que você é RP as pessoas tiram o chapéu, porque é uma área super valorizada. Há vários filmes americanos com profissionais de RP bem posicionados, aqui você vê uma novela colocando o Gianechinni como RP porque ele é bonito. Acho que a gente deve fazer um gerenciamento de crise, teria que reunir um grupo de profissionais para discutir.

FuturoRP – Hoje temos várias áreas exercendo as funções de Relações Públicas. Existem jornalistas e departamentos de RH cuidando da comunicação interna, publicitários fazendo planejamentos de comunicação integrada, e até administradores de empresas escrevendo informativos. Será que o fato do RP não ser conhecido é justamente por isso, porque a nossa função está distribuída um pouquinho em cada um desses profissionais e isso faz com que não vejam a nossa necessidade?

Cristina Micaroni H. Altieri – Talvez. Até porque esses outros profissionais que você citou têm uma maior divulgação, maior facilidade de trânsito nesse mercado. O RP precisa mostrar nas entrevistas e no dia-a-dia que tem o diferencial da visão estratégica da empresa, da visão de relacionamento com públicos e que, apesar dos outros cursos terem comunicação integrada, não são tão especialistas em relacionamento, e as empresas estão buscando mais relacionamento do que atendimento. Quem faz e aprende a fazer relacionamento é o RP, eu vejo, a cada dia, que o mercado está sentindo essa necessidade e quando vai procurar alguém percebe que o RP é o mais completo. Então, assim vamos mostrando, porque em todas as áreas vai ter alguém pegando o lugar do outro. Cada profissional deveria ter em mente que cada situação é uma oportunidade de mostrar que somos importantes para a organização, em uma entrevista de emprego, nas reuniões familiares, não importa onde, precisa começar a disseminar. Assim, vamos começar a mudar, mostrando que temos um diferencial.

FuturoRP – Ainda que o relações-públicas tenha esse diferencial, as empresas ainda não têm a cultura de olhar para uma necessidade e dizer “é do RP que eu preciso”. Não é mesmo?

Cristina Micaroni H. Altieri – Não, não tem. Às vezes, a empresa nem sabe que quer. Quer alguém que faça isso, mas não sabe que é o RP.

FuturoRP – E isso também não se deve ao fato de ser muito difícil pregar essa necessidade de ter a função do relações-públicas dentro da empresa a um gestor ou presidente? Não é tão fácil explicar isso aos tomadores de decisão.

Cristina Micaroni H. Altieri – Mas eu sinto que as empresas já perceberam essa necessidade. Na semana passada, por exemplo, uma empresa pequena me pediu para indicar três estagiários de RP para monitorar as mídias sociais. Isso é um avanço!

FuturoRP – Porém, será que na prática isso se efetiva? Será que essa consciência só não vem quando uma crise estoura ou num momento com problema aparente?

Cristina Micaroni H. Altieri – Sim, mas se é pra entrar em um momento como esse, que seja. Mas as empresas estão enxergando o relacionamento com os públicos. Ninguém estava imaginando esse boom tão grande das mídias sociais. E se as empresas não perceberem que precisam de alguém monitorando, e que imagem e reputação não são coisas feitas do dia pra noite, vão perder espaço porque tem outras fazendo. Então, quando a gente vê uma empresa pequena querendo contratar um RP pra monitorar imagem, isso demonstra que o mercado está mudando, mas não porque está mudando em relação ao RP, mas a globalização está fazendo com que as empresas mudem. Infelizmente tem que ser pela necessidade.

FuturoRP – Então, será que vamos começar a ver relações-públicas com registro no CONRERP sendo contratados pelas empresas e tendo na carteira de trabalho o registro de “relações-públicas”?

Cristina Micaroni H. Altieri – Não.

FuturoRP – Nunca?

Cristina Micaroni H. Altieri – Nunca é muito.

FuturoRP – Será que não é hora do RP se despertar e aproveitar essa onda de necessidade para levantar a bandeira pela sua classe?

Cristina Micaroni H. Altieri – Aí sim, porque as empresas lhe contratam e nem sabem que você precisa ter um registro, como é que elas vão exigir um registro de você.

FuturoRP – Mas, então, se o relações-públicas não é exigido como relações-públicas em si, mas como outras funções, se a sua classe de profissão não é exigida para registro em carteira ou piso salarial, qual é a função do nosso Conselho? Para que ele existe?

Cristina Micaroni H. Altieri – Para dar apoio à profissão.

FuturoRP – Ele cumpre essa função?

Cristina Micaroni H. Altieri – Sim.

FuturoRP – Como?

Cristina Micaroni H. Altieri – Por exemplo, no ano passado quando houve o caso do Gianechinni lá na novela, houve uma mobilização dos profissionais pedindo uma atitude do CONRERP. No outro dia, o CONRERP entrou em contato com a Globo e a cena foi corrigida. Então, criaram-se as delegacias para fiscalizar isso, é claro que não é possível em duas ou três pessoas fiscalizar tudo, a estrutura ainda é pequena, são profissionais voluntários que se dedicam a outras atividades, eles vão fiscalizando e a tendência é que 100% das empresas sejam fiscalizadas. Então, hoje não é assim, as empresas não pedem, mas os Conselhos existem pra isso, para mostrar que existe um registro e pode haver multa para quem exercer a profissão sem registro. A tendência é que no futuro a classe esteja mais forte. Ninguém consegue mudar tudo do dia pra noite, a gente carrega um histórico de falta de entendimento da profissão, o Conselho está fazendo um trabalho de formiguinha.

FuturoRP – Porém, nós somos regulamentados desde os anos 50, quando tínhamos todo aquele contexto político e militar em que o RP ajudou o governo. Estamos há anos pagando taxas, será que esse trabalho de formiguinha do Conselho não está devagar demais? Afinal, não vemos concretizado no dia-a-dia o seu trabalho. Se um RP vai dar uma palestra em uma faculdade, por exemplo, ninguém pede seu registro para autorizar que ele vá falar como RP.

Cristina Micaroni H. Altieri – Mas para o advogado também, ninguém pede a carteirinha dele numa situação dessa.

FuturoRP – Mas o advogado só se torna registrado na OAB se passar por uma prova. O relações-públicas não.

Cristina Micaroni H. Altieri – Mas o engenheiro também tem um conselho, o médico também, e ninguém pede.

FuturoRP – Mas o engenheiro não entrega um projeto sem que tenha uma assinatura com registro. O RP pode entregar um projeto de comunicação integrada sem qualquer registro. O nosso registro parece não ser necessário.

Cristina Micaroni H. Altieri – Mas a gente não vai derrubar prédios.

FuturoRP – Mas podemos derrubar a imagem de uma empresa.

Cristina Micaroni H. Altieri – Mas é isso que estou lhe falando, o que as empresas começaram a perceber sobre imagem e reputação é novo.

FuturoRP – Mas você, como RP, nunca se questionou se está valendo à pena o dinheiro que paga todo ano ao Conselho?

Cristina Micaroni H. Altieri –Se você pedir uma relação para o Conselho de quantos relações-públicas são registrados e quantos pagam, verá que são poucos. Tem gente que paga o registro e depois não paga mais a anuidade. O ideal é você conversar com alguém do CONRERP para que possa ter as informações com mais precisão, infelizmente, não domino este assunto.

FuturoRP – Diante de tudo isso, ainda tivemos no ano passado a proposta de que se abra a outros profissionais o registro no CONRERP.

Cristina Micaroni H. Altieri – Eu sou contra.

FuturoRP – E não seria essa uma tentativa do Conselho de se salvar?

Cristina Micaroni H. Altieri – Eu não acredito. Vejo que como existem várias pessoas que têm conhecimento, por exemplo, em organização de eventos, por que não dar a essas pessoas o registro? Foi aberta uma votação em função de toda essa necessidade do mercado, como tem muitos profissionais desenvolvendo ações de RP, então viram essa necessidade e abriram para que a gente pudesse votar.

FuturoRP – Não é perigoso permitir o registro de relações-públicas a uma pessoa que, apesar de ter experiência, não tem a mesma essência e formação de um RP? A pessoa pode saber, na prática, organizar um evento, mas pode não saber a visão estratégica que o mesmo pode ter para a organização. E o meu Conselho está propondo dar o registro a esse profissional que não tem a mesma formação que eu tenho.

Cristina Micaroni H. Altieri – Eu, enquanto RP, sou contra, temos que nos unir e nos fortalecer, e não abrir para mais pessoas. Se a gente já não tem força e as pessoas e organizações já não têm consciência do que fazemos, como vamos abrir para outros? Se ainda há pouco espaço pra gente, como vamos abrir para outros? Não porque não tenha alguém que possa fazer tão bem quanto eu. Há administradores, advogados, e outros profissionais que assumem a posição de comunicação em uma empresa e nem por isso não têm o mérito. Mas, como profissional, eu tenho que valorizar a minha profissão e o meu grupo, por isso eu sou contra.

FuturoRP – Se outros podem ser capazes, e ainda temos jornalistas e publicitários que podem exercer nossas funções, quando o relações-públicas é único?

Cristina Micaroni H. Altieri – Não tem quando o relações-públicas é único. No caso do médico, não tem como ser outro, porque quem entende da vida e estudou mais de sete anos é só ele, não tem jeito. Quando você fala de um advogado, foi ele quem estudou leis. E com tudo que é da área de humanas... Por exemplo, a gente consegue fazer remédio? Eu vou virar farmacêutica e fazer fórmulas? Não, porque é específico, e as áreas que não são humanas têm mais dificuldade de alguém invadir. Mas, se alguém for fazer relacionamento e tiver talento para aquilo, consegue. Não é impossível. Nossa área não tem algo que é só o RP que vai fazer. O diferencial do RP é trabalhar imagem e reputação, se eu pudesse vender um diferencial do RP seria “relacionamentos”, porque agora as empresas estão percebendo a importância disso, e a gente tem que entrar nesse bonde, não podemos deixar o cavalo branco passar.

FuturoRP – Então, podemos chamar Relações Públicas como a profissão do futuro?

Cristina Micaroni H. Altieri – Não como um profissional do futuro, mas o profissional do passado se redescobrindo no futuro, sendo descoberto no mercado. O futuro é Relações Públicas! Então, não deixem o cavalo branco passar, a oportunidade está passando, esse é o momento de se mostrar para o mercado; e se a minha geração não conseguiu fazer isso, pois nós falhamos, que vocês, novos profissionais, consigam. Nós somos de uma geração diferente, que não foi tão questionadora como vocês são hoje, e vocês podem e devem mudar essa realidade. Vocês têm a faca e o queijo na mão, então façam melhor do que as gerações anteriores, temos mesmo que criticar o passado para melhorar o futuro. 


Aproveite para ler também o FuturoRP Interview com Claudia Maria de Cillo Carvalho, diretora da faculdade de Relações Públicas da PUC Campinas. Até a próxima! ;)