28 de março de 2016

Deixar pessoas é preciso



"Eu me sinto culpada por estar brigada com ela. Porque ela já fez tanto por mim, que parece que estou sendo ingrata, sabe? Mas, eu sei que não estou errada". 

Ouvi essas palavras de uma querida amiga, de longa data, um dia enquanto tomávamos café em sua casa. O aroma do café que ela preparara para gente, a fim de acompanhar a conversa, aquecia não só nosso olfato e paladar, como também os corações enternecidos, naquela ocasião, por conta de uma desavença que havíamos tido com uma amiga em comum, cuja amizade também se estendia por mais de uma década.

A fala dela me chamou bastante a atenção, pelo modo como se sentia culpada por ter uma desavença com alguém que fora tão importante para ela em determinada fase de sua vida. Que a ajudara, extremamente, em um momento de intensa necessidade, pelo qual ela provavelmente não passaria não fosse a ajuda dessa amiga. E, então, era como se a desavença a culpasse, acusasse-a de ser ingrata.

Diante da constatação desse sentimento, argumentei com minha aflita amiga que ela não deveria se sentir culpada, pois desavenças acontecem a todo momento pelas indiferenças que naturalmente temos, mas, sobretudo, pelo fato de que, na vida, não vamos criando saldos positivos ou devedores com as pessoas ao nosso redor conforme nossas atitudes. Que não vamos nos enredando em uma série de dívidas e cobranças de acordo com nossos atos, os quais nos permitem agir de uma forma ou de outra.

Se assim fosse, diante de uma desavença, como era o caso, eu teria de recompensar tudo que a pessoa fizera por mim para, então, poder discordar em algo com ela? Só depois de me sentir ter sido suficientemente útil para essa pessoa, como ela fora para mim, eu poderia demonstrar uma insatisfação? O que haveria de sinceridade nisso?

Curiosamente, minha amiga retomou a amizade com nossa amiga em comum, com quem estávamos em desavença na ocasião, um mês depois desta conversa. Eu, por outro lado, segui da mesma forma, sem retomar a amizade com ela, sem mais convivência, sem nenhum contato. De lá para cá, lembrei-me que neste mês de março se completa 1 ano dessa ausência que, pelo visto, tornou-se permanente. 

E me lembrar desse "aniversário de desamizade" me fez refletir em como é necessário que, ao longo da vida, deixemos pessoas pelo caminho. No caso dessa amiga (a qual ainda considero uma amiga, porém distante), afastamo-nos por questões que, necessariamente, não foram escolhas nossas. Afinal, a vida de ambos foi mudando conforme o tempo passou, as prioridades foram se alternando, a visão de mundo se transformando, as histórias, consequentemente, distanciando-se.  

Conquanto isso acontecesse inevitavelmente, a gente ainda se gostava, porém nos tornamos tão diferentes que nem mesmo a amizade com duração além de uma década foi capaz de sustentar uma convivência que, infelizmente, não fazia mais sentido. A desavença que nos separou, na verdade, foi um mero despontamento disso.

Claro que há vários tipos de distanciamentos e nem sempre o "rompimento" é o necessário ou ideal. Às vezes, apenas a "não convivência" preenche esse vazio deixado pela incompatibilidade de realidades. Mas, a verdade é que é difícil aceitar tal consequência. Pelo menos para mim, há um tempo atrás, era um crime imaginar deixar que uma amizade de décadas se fosse... Imagine, não posso deixar isso acontecer! Tanta história não pode acabar nunca... É a tal ilusão do "amigos para sempre", "ficaremos juntos até o fim", a tal "dívida" que sentimos ter com as pessoas que foram importantes para nós um dia.

Pois, a beleza suprema da vida de aprender algo novo a cada fase me mostrou que não há nada de errado ou lamentoso nisso. Ora, tudo nessa vida precisa (e deve) ter um começo, meio e fim. Tudo, uma hora, acaba. E nós temos que saber aceitar essa verdade. E mais, aceitar e fazer dela algo belo. Afinal, se sabemos que vai terminar, se temos consciência de que, naturalmente, algo irá se findar, então vamos fazer o máximo para que essa história seja memorável, inesquecível! 

Assim, saber construir algo marcante, fazendo o "durante" valer a pena, é que faz toda diferença, ainda que acabe um dia, como sabemos que certamente acontecerá. É o caso desse meu aniversário de desamizade com minha amiga, ao qual me referi como um rompimento, mas pelo qual não sinto raiva, desprezo ou qualquer sentimento ruim.

Pelo contrário, sinto carinho por uma amizade incrível, que tem uma história marcante, que reúne uma série de situações memoráveis, repleta de sentimentos e coisas belas. Uma amizade belíssima que, por necessidade, findou-se. 

Pois é, deixar pessoas é preciso, mas amar as pessoas que deixamos, ou as que levamos conosco, também é.