7 de julho de 2014

O Capital dos Sonhos





Certa vez, parei para observar um jovem cujo principal talento era o seu sonho. Ele não tinha lá muita habilidade para transformar isso em algo útil, é verdade, e tal falta de destreza era perceptível de longe, mas o seu sonho... Ah, que sonho perfeito! Cheio de vida, repleto de gana, vigor, e muito talento. Praticamente um diamante não lapidado, de dar inveja ao culhão de muito baby boomer por aí.

O que mais me chamava atenção era que esse jovem, apesar de desajeitado, queria fazer algo com esse sonho tão único. Ora, tinha de mostrá-lo a alguém, o mundo inteiro deveria conhecê-lo! Foi então que, tomado pela necessidade, ele decidiu descer ao mais dos competitivos e obscuros dos mundos. O nome desse lugar não se sabia, e suas direções tampouco.

Lá, esse jovem encontrou todo tipo de criatura, bichos de sete cabeças querendo assustar, esfinges com seus enigmas, Narcisos com seus espelhos, Bacos com suas extravagâncias e até Afrodites, que, confusas, não sabiam se se entregavam à malemolência ou ao amor. Uma verdadeira mistura de misticidade com realidade, que aparentava loucura. Ingênuo jovem, mal sabia ele que tudo não passava da hipérbole de várias metáforas.

Foi nesse mesmo submundo que o jovem, carregando seu lindo sonho nas mãos, tomando cuidado para que o mesmo não lhe escapasse por entre os dedos, encontrou o Arrendador, um senhor que merece nossa atenção, tamanha é a sua peculiaridade. Não dá para explicar direito, é preciso vê-lo e fazer a sua própria descrição. A minha é a de um ser que, de tão ávido e faminto por arrendar, exalava um interior vazio e mal cheiroso. Ele carregava algumas marionetes em sua bolsa, uns fantoches em outra, e as mãos tinham calos. Ouro não faltava em sua vestimenta, fina e elegante, mas que, de perto, não conseguia esconder a putrefação que vinha de dentro de seus fios. Um ser vivo, cujos principais objetivos eram sobrevivência e lucro.

Quando tal criatura se deparou com o jovem, num rápido olhar carregado de experiência por quem já está cansado de ver jovens como aquele, logo depositou seu olhar sobre o sonho do juvenil. Ele, então, se diz amigo, solta palavras bonitas no ar, exibe suas marionetes, e pede para ouvir quem é aquele jovem. "Conte-me um pouco sobre você. Descreva-se", ele propõe, lambendo os beiços. O jovem, animado por ter encontrado alguém interessado em ouvi-lo, desata a falar sobre, claro, o seu sonho. "Quero mostrá-lo ao mundo!". "Ah, você quer?", indaga o entrevistador com o olhar cintilando.

"Tenho uma proposta a lhe fazer". O senhor ofereceu ao jovem a irrecusável ideia de vender seu sonho. "A troco de dinheiro e lucro?". "Não apenas isso! Isso será consequência do seu trabalho. O mais importante é que, a partir deste sonho, você produzirá mais iguais a ele", explica a criatura, desenhando o futuro brilhante do jovem. Parecia perfeito. Nada poderia dar errado. O jovem ficou vislumbrado. Afinal, era o melhor a se fazer naquela situação. 

O jovem foi levado ao galpão do Arrendador. E qual não foi sua surpresa quando, ao chegar, deparou-se com vários iguais a ele. Era fantástico! Todos tinham, vejam só, sonhos! Cada um diferente do outro, é verdade, mas eram sonhos. Todos únicos, cada um ao seu jeito. Mas, havia algo semelhante. Todos ali, sem exceção, não sabiam mais onde seu sonho se encontrava depois de um tempo. 

"Cadê? Aonde foi parar?", refletiam. Contudo, no cotidiano a que se submeteram por meio da genialidade do Arrendador, não havia muito tempo para se perguntar isso. Eram tantos sonhos para se reproduzir e o tempo sempre tão curto. Fabricar. Vender. Fabricar. vender. Fabricar... "De onde mesmo está vindo tudo isso?". "Não sei, já não me lembro". "Onde está o meu sonho?". "Depois pensamos, voltem ao trabalho, estamos perdendo tempo". E com o jovem que eu observava não foi diferente.

Vez ou outra o juvenil, agora arrendado, via um ou outro jovem parar e, numa digressão um pouco mais intensa, levantar-se e ir até a sala do Arrendador. Lá, um local que mais soava como um calabouço, onde o Arrendador já não tinha mais medo de ocultar a sua putrefação, era onde as reflexões ganhavam forma, os julgamentos eram feitos, e as perguntas sempre terminavam em "onde está o meu sonho?". Diante disso, até onde eu consegui ouvir, o Arrendador calmamente respondia "veja bem...", e a história sempre terminava igual, com o jovem saindo de volta ao seu cotidiano, já se esquecendo de seu sonho, para produzir mais e mais outros sonhos.

Não pense que a coisa não ia bem. Pois ia, e funcionava. O jovem, coitado, até ficava feliz quando terminava tudo e conseguia alcançar o que o Arrendador lhe propunha. "Conseguimos! Está feito! Terminamos uma remessa de sonhos!", comemorava-se. Porém, algo estranho acontecia quando os sonhos eram concluídos. As máquinas, dez minutos depois, reiniciavam-se e tudo recomeçava do zero. Mais sonhos precisavam ser feitos. "Novos desafios, pessoal", exclamava contente o Arrendador. "Mas, e tudo que produzimos até então?". "Bom trabalho! Mas, agora, esqueçam. Isso já é passado. Tudo será novo daqui pra frente".

Diante disso, o jovem notava que o Arrendador já não lhe conhecia mais. Percebeu que, virava e mexia, acabava caindo dentro de sua bolsa, a mesma onde estavam as marionetes. "Gente, vocês sabem aonde foi parar o meu sonho?". "Estou achando um absurdo eu não encontrá-lo mais". "Precisamos achá-lo". "Pessoal, e os sonhos desta remessa, já estão prontos? Espero que sim, para vocês terem tempo de ficarem pensando nisso aí". As vozes já incomodavam o jovem, não era mais possível ignorá-las. O questionamento do que havia acontecido com seu sonho era mais forte do que tudo.

Foi, então, que o jovem tomou coragem e decidiu falar com o Arrendador. O diálogo, que mais parecia um monólogo do próprio Arrendador, seguiu-se como todos os outros. Objeções eliminadas, após o "veja bem...", ilusões remontadas e de volta ao trabalho! Mas, não... O jovem exigiu que queria ver o seu sonho. O Arrendador engasgou, gaguejou, titubeou. A exigência foi feita novamente. "Quero vê-lo!". "Veja bem...". "Ou melhor, não quero só vê-lo, quero-o de volta. E agora!", pediu o jovem, interrompendo a fala repetida do Arrendador.

A criatura, de má vontade e ciente do que estava perdendo naquele exato instante, arrancou o sonho do jovem da bolsa de marionetes e o colocou em cima da mesa. O jovem, então, olhou para o seu sonho e o acolheu em seus braços com emoção. O reencontro era essencial! Como pôde, por tanto tempo, deixá-lo de lado?

O sonho, na verdade, não era mais o mesmo. Ele ainda era um sonho, entretanto, já não tinha mais o mesmo brilho. Havia se transformado. Um pouco, ou muito (não se sabe ao certo), de sua essência havia se perdido.

"Igual ao seu, eu tenho centenas", disse o Arrendador, apontando através do calabouço para os demais jovens em suas baias. Percebido isso, o jovem olhou para trás, observou aqueles outros jovens fabricando e vendendo sonhos, todos réplicas dos originais, e se perguntou o quanto de sua essência os demais também já perderam. Foi naquele momento que ele se deu conta de que até mesmo os sonhos precisam de limites.

"Pois alimente-se de si mesmo, seu catoblepas!", retrucou o jovem para o Arrendador. Depois disso, saiu. Deixou o galpão daquela criatura. Deixou os demais jovens para trás. Estava de volta, no mundo, com seu sonho em mãos. "Liberdade!", comemorou. Estava feliz, havia se libertado. Mas, então, olhou à sua volta. Teria que tomar outro caminho. Havia várias opções. Não poderia ficar ali parado. "E agora?", perguntou a si mesmo.