21 de dezembro de 2014

O seu tempo é meu


Você já recebeu uma demanda extra de seu chefe? Lembro-me de uma situação, que aconteceu em um de meus trabalhos passados, na qual meus superiores quiseram discutir com a equipe se deveriam aceitar ou não um trabalho extra que tinha surgido por solicitação de um cliente. A dúvida estava em torno do fato de sermos capazes de entregar resultados com a ação tendo que absorver uma demanda extra considerável.

Mas, um dos pontos levados em conta, comentados pelos próprios superiores, era que o trabalho valeria muito a pena, porque tinha sido vendido por um alto valor. Daí a preocupação de ter que fazer bem feito. No fim, eles acabaram aceitando o job. Corremos durante toda a semana para atender à ação, remanejamos outros trabalhos, fizemos o máximo e terminamos a semana com tudo entregue, e com resultados.

Após isso, fiquei pensando em como termos feito aquele trabalho extra tinha nos deixado afoitos. Terminamos a semana esgotados para dar conta de tudo. E havia uma pergunta que pairava sobre a equipe: o que ganhamos com isso tudo? Ora, os funcionários, obviamente, mais trabalho. Os chefes, por mais envolvidos que estivessem na ação, ficaram com poucas mudanças em sua rotina e o lucro do serviço vendido pelo "alto valor". O curioso foi que, depois, ainda fomos cobrados das pontas de outros clientes que ficaram para trás ao longo da semana, devido à correria. 

Não importa qual seja a situação, a cobrança sempre virá. E o lucro também. O interessante é para onde e para quem vai cada elemento. Eu sempre questiono as relações sobre as quais está estabelecido o nosso modelo de trabalho. A ideia de contratar um funcionário por um valor "X" e amontoar nele o máximo de trabalho que puder para fazer valer sua "hora" está, cada vez mais, perdendo sentido. Os profissionais estão tomando consciência que o valor daquilo que criam está além de um simples registro de números em sua carteira de trabalho. A "mais-valia", da qual Marx falava, está perdendo sua força.

Isso se evidencia em diversos fatos. O boom de empreendedorismo no Brasil nas últimas décadas tem mostrado isso ao mercado. São pessoas que se entendem capazes de fazer um bom trabalho e não veem sentido em vender sua inteligência a um patrão que, no máximo, lhe pagará um salário razoável. Isso na indústria criativa é algo gritante. A quarta edição do “Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil”, estudo realizado pelo Sistema FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), mostra que as empresas criativas cresceram 69,1% na última década, alcançando um total de 251 mil estabelecimentos.

Claro que o serviço prestado pelos criativos é algo mais fácil de se viabilizar, sobretudo por demandar mais de capital intelectual do que, necessariamente, um grande aporte inicial de capital de giro. No entanto, falando de outros setores, podemos lembrar da recente simplificação do "Simples", sancionada pela Presidente depois de muita luta da Secretaria da Pequena e Microempresa. E aqui em Campinas, Jonas Donizette sancionou, no dia 16, uma nova Lei de incentivos fiscais para empresas e um sistema onde será possível obter, pela internet, o licenciamento de alvarás de funcionamento em tempo reduzido e sem burocracia. Trata-se do Sistema Via Rápida Empresa.

Ou seja, facilita-se a abertura de empresas, incetiva-se o empreendedorismo, um conceito que ainda tende a se desenvolver no Brasil. Frente a isso, as organizações têm adotado a prática do intraempreendedorismo, outro fato que expõe quão gasto está nosso modelo tradicional de trabalho. Entendendo que o valor do capital intelectual de um funcionário está além de um simples salário formalizado, as empresas incentivam sua equipe a inovar dentro de seu ambiente, a fim de que elas sintam algo realmente seu tomando forma e agregando valor ao negócio.  

Contudo, para isso, os líderes precisam entender, e saber colocar em prática, um conceito que se chama "empoderamento", e aí a coisa pega. Empoderar significa abrir a mão de seu controle excessivo e confiar às pessoas que trabalham para você os ônus e bônus de seu trabalho. Envolve a segurança de que existem pessoas tão capazes quanto você de realizar algo fantástico e, sobretudo, deixá-las fazer esse trabalho autônomo acontecer. Luis Rasquilha, grande profissional que dissemina inovação por onde passa, tem falado muito sobre empowerment aqui em nossa região, tanto do aspecto interno como do ponto de vista do consumidor.

Creio que quando o assunto é empoderar colaboradores é ainda mais difícil para os "chefes" vivenciarem essa prática do que quando optam fazê-lo com o seu consumidor. Ainda vejo donos de negócios apegados a coisas ínfimas como ferramentas de controle e de tempo que visam monitorar seus funcionários. Querem ver diariamente, por meio de pontos eletrônicos e planilhas de timesheet, que cada segundo do funcionário, a partir do momento em que ele coloca os pés dentro da empresa, está sendo usado em prol da maximação de seu lucro. 

Bem, quem já foi funcionário ao menos uma vez na vida sabe o quanto isso é ilusão. É completamente ilusório achar que o profissional está trabalhando a seu favor a partir do momento que bate um ponto eletrônico ou que completa uma planilha de tempo. O "corpo presente" não garante fatores cruciais como acreditar no que faz, pensar no bem comum da equipe, ter inquietação sobre como poder inovar e fazer melhor, vivenciar os valores da empresa. Acredite, se um funcionário quiser negligenciar o seu tempo dentro da empresa, ele o fará, e das mais diversas formas possíveis.

Assim, a gestão do tempo de um profissional precisa ganhar um novo olhar. Precisa se libertar de padrões retrógrados e buscar uma essência que não se obtém por meio de ferramentas opressoras de monitoramento. A "boa vontade" de uma pessoa para com o seu trabalho não se consegue com controle, e sim com engajamento e empoderamento. Achas utópico o que estou defendendo? Então, convido-lhe a conhecer a gestão de pessoas em empresas como Google e 3M. 

Aliás, um dos mandamentos globais da 3M, criado na década de 40, é "contrate bons funcionários e deixe-os em paz". Segundo o manifesto da própria empresa, "esse mandamento tem sido fundamental para o percurso de sucesso da 3M e reforça o seu perfil inovador, pois permite ao funcionário assumir riscos e até cometer os primeiros erros, tolerados em nome do empreendedorismo e inovação". Se você quiser ler o texto integral da 3M, o que eu fortemente recomendo como inspiração, clique aqui: inovação 3M.

Por outro lado, também entendo o receio dos donos em trabalhar numa perspectiva tão "ousada". Em trabalhos de consultoria que já fiz como relações-públicas para resolver problemas internos de relacionamento, sempre ficava aparente o medo da ousadia de empoderar colaboradores. Afinal, é o negócio criado e fundado pela pessoa com muito esforço, além de envolver uma série de questões culturais e de aprendizados. 

Entretanto, ainda assim insisto que ao passo que se incentiva o comportamento operacional de uma pessoa, mais se terá problemas. Continuaremos, dessa forma, a vermos consumidores sendo mal atendidos, os índices de turnover nas empresas subindo e problemas internos tirando o sono de empresários. Falta apreço pelo que é estratégico, pelo que realmente importa.  

Mas, muitas vezes, por incrível que pareça, é isso que o chefe quer. Por mais que ele saiba que está se enganando ao controlar pessoas e que isso não trará valor e resultado à sua empresa, a sensação do controle conforta (e vicia). É mais fácil reforçar o operacional, você fala e a pessoa obedece, você pensa e o outro executa. É cômodo. Ter embate, mudanças e dar liberdade, isso, sim, é incômodo e difícil. Na verdade, não se quer pagar o preço. Melhor deixar como está.