20 de dezembro de 2015

Relações com a Comunidade na novela Totalmente Demais

Eu adoro quando a ficção nos dá bons exemplos dos conceitos de comunicação! É uma forma lúdica de abordar temas técnicos que estão presentes todos os dias em nossas vidas. Até hoje, quando quero falar de Mídia Espontânea e Assessoria de Imprensa recorro a um capítulo da novela Belíssima. E quantos RPs não ficaram injuriados quando o personagem de Gianecchini, na novela Passione, foi chamado de relações-públicas apenas por conta de sua beleza?




Pois é, a ficção nos brinda com excelentes cases, e não é só nas novelas de Silvio de Abreu que vemos isto. Recentemente, a atual novela das 19h, Totalmente Demais, mostrou um belo exemplo de como não fazer Relações com a Comunidade, mais especificamente no capítulo que foi ao ar no dia 07 de dezembro. Quem acompanha a novela sabe que os personagens Fabinho e Jonatas têm tentado se infiltrar na comunidade que fica perto da empresa fabricante de cosméticos Bastille, porém sem sucesso.



O que acontece é que a Bastille prejudica as águas desta comunidade com sua produção, geradora de poluentes. Então, para mitigar tais danos, Fabinho, filho do presidente da empresa, desenvolveu um projeto de relações com a comunidade, no qual, inclusive, os moradores trabalhariam neste projeto ajudando a empresa. A ideia parece boa, afinal, além de tentar reverter os danos causados, a empresa emprega os moradores locais.

Mas, o problema não foi no planejamento do projeto, foi na execução. Quem assistiu a este capítulo do dia 07 viu a quantidade de erros que os jovens da empresa cometeram em sua segunda visita à comunidade. Além da entrada descabida no local, com um ostentoso carro do ano e uma câmera filmadora nas mãos, eles tentaram resolver um passo importante do projeto no meio da rua, a céu aberto em um momento "x" do dia. Sem avisar nada antes, sem agendar, sem apoio algum. 



Nestas condições, obviamente eles seriam mal recebidos. Contudo, sempre dá para piorar. E piorou mesmo, quando Fabinho tem a brilhante ideia de pegar um maço de dinheiro e começar a contá-lo na frente de todo mundo. O dinheiro seria para pagar os moradores cadastrados que trabalhariam no projeto pela primeira semana de atuação, mas acabou passando por dinheiro usado para comprar drogas pela polícia local. No fim das contas, Fabinho foi detido e levado à delegacia. 


Você pode conferir a cena completa no site do Gshow, de onde tirei estes prints.


Relevando os aspectos dramáticos da cena, que, claro, dão o tom de uma obra melodramática, a forma como tudo aconteceu é muito interessante para analisarmos, do ponto de vista das Relações Públicas, um projeto que, em teoria, teve um planejamento adequado, mas uma péssima execução. Certamente, se a Bastille tivesse um RP competente em seu departamento de Marketing isso não teria acontecido. 

Assistindo à cena, me lembrei de minha experiência mais relevante com Relações com a Comunidade, logo em meu primeiro trabalho como relações-públicas, numa grande empresa de mineração da Região Metropolitana de Campinas. Assim como no caso da Bastille, as atividades desta empresa impactavam a comunidade em seu entorno e a organização queria fazer algo para tornar essa relação mais amigável, por questões óbvias de garantir a permanência de suas atividades no local sem empecilhos. 

Por isso, inspirado pelo caso da Totalmente Demais, elenquei 5 pontos básicos que não podem faltar em qualquer projeto de Relações com a Comunidade. Olha só:

1 - Pesquisa e Diagnóstico

Antes de pensar e planejar qualquer coisa, a empresa que deseja fazer algo pela comunidade ao seu redor precisa de um bom projeto de pesquisa, a fim de chegar a um diagnóstico preciso da atual situação. Afinal, quais são os problemas que a organização causa à comunidade? Como eles repercutem no local? Qual é a imagem que a comunidade tem da empresa? Levantar estas hipóteses de dentro de uma sala com ar condicionado na empresa é completamente diferente de ir até a comunidade e sentir na pele.

Para isso, há vários recursos possíveis e, na maior parte das vezes, a técnica de auditoria de opinião é o mais eficaz. Se a empresa deseja se precaver de que a comunidade saiba de sua pesquisa ou não tem profissionais experientes e/ou suficientes para isso, contratar um instituto de pesquisa sério pode ser útil. Nesta auditoria é crucial mapear as principais entidades locais, os formadores de opinião e os principais pontos de danos. 



Por fim, cuide da apresentação do diagnóstico final à empresa. Pois, a maior parte das empresas se propõe a fazer um projeto com a comunidade porque teme que suas atividades sejam prejudicadas. Infelizmente, nem sempre a direção corporativa está conscientizada da importância disso e será papel do RP travar esta luta. Quem já passou por isso sabe que, de fato, é uma luta. Por isso, levar fotos dos locais visitados, gravação de depoimentos (se possível e cabível) dos moradores e "aspas" dos depoimentos coletados ajuda nesta conscientização (ou, ao menos, na sensibilização para convencimento).  

2 - Planejamento

Este não foi o problema da Bastille na novela, mas é onde as equipes de comunicação costumam derrapar. Na ânsia de colocar logo o projeto em prática após a aprovação, desencadeia-se uma série de ações soltas o mais rápido possível e tudo se perde em determinado momento. E pior, nada é medido e acompanhado e, no futuro, não se terá recursos para mensurar e apresentar resultados factíveis à direção da organização. 


Um dos melhores livros que já li sobre planejamento, de Joe Marconi. Fica a dica! 


Por isso, caros comunicólogos, não negligenciem o tão importante planejamento. Ele não é um amontoado de papel que só serve quando vemos teorias na graduação. Usem o planejamento a seu favor lembrando de sua estrutura básica, após ter fechado o diagnóstico e com um bom prognóstico em mãos: objetivos (claros e mensuráveis), públicos de interesse, estratégias, táticas, cronograma e orçamento. Sem isso, não será possível aprovar e nem terminar nada, sobretudo numa organização de grande porte.

3 - Faça parcerias

Ver os jovens da Bastille entrando do nada na comunidade local achando que seriam bem recebidos chega a ser cômico. Ora, dentro da empresa está tudo planejado, aprovado e faz sentido. Mas, o que a comunidade tem a ver com isso tudo? Ninguém sabe das intenções da empresa. Portanto, é essencial que se faça fortes parcerias oficiais com as pessoas certas, para que a chegada da empresa à comunidade não seja um evento estranho.


Este livro do Gutierrez Fortes tem um excelente capítulo sobre relações comunitárias, detalhando, inclusive, as ferramentas de pesquisa para isso. Também indico!


Isso, certamente, deverá estar no planejamento, e fará parte do trabalho da equipe de comunicação ir pessoalmente aos órgãos públicos, às entidades e lideranças locais, aos formadores de opinião e à segurança local apresentar o projeto da empresa. E o mais importante: ter a autorização oficial (no caso do poder público) e o consentimento dos mesmos para entrar na comunidade e fazer qualquer coisa ali. Oficialize, autorize e registre tudo! Acredite, isso fará total diferença na hora de proteger a empresa de qualquer dano e na maneira como a equipe será recebida pela comunidade.

4 - Comunique!

Esta, geralmente, é a parte que nós, comunicólogos, mais gostamos de fazer. Após tanta pesquisa, planejamento e conversas com várias pessoas para viabilizar um projeto, comunicar suas ações costuma ser a parte mais "divertida", sobretudo porque envolve criação.

Este é o momento em que a comunidade fica sabendo do projeto que a empresa quer colocar em prática, e comunicá-lo de forma adequada, pelos meios e canais de comunicação corretos, é determinante para o seu sucesso. Neste caso, costumamos lidar com canais de comunicação bem alternativos, pois estamos falando de uma comunidade local. Assim, não é atípico termos que atuar, por exemplo, com carros de som, panfletagem e cartazes em locais como bares, postos de saúde e escolas.



Mas, se estamos atuando numa comunidade maior, como um aglomerado de bairros na proporção de uma cidade pequena, pode-se também partir para meios como rádio e jornais de bairro. Esta é a parte em que os criativos trabalham, produzindo peças, escrevendo textos e criando audiovisuais que serão utilizados para impactar a comunidade a respeito do projeto. Lembrem-se: não deem uma de Fabinho chegando com um carro do ano falando do projeto no meio da rua com quem estiver passando.

5 - Use boas ações

Finalmente, é hora do projeto acontecer! E, para o seu sucesso, é preciso aplicar boas ações. Aqui, um erro muito comum é a empresa cair no engano do assistencialismo. Cuidado com isso! Dar assistência é papel do poder público, não do setor privado. Sem falar que é péssimo a empresa tomar a postura de "vem cá que vou te dar umas cestas básicas e você não reclama do que eu to fazendo aqui, ta bom?". Soa como comprar as pessoas e qualquer ação neste sentido deve ser categoricamente evitada.

Por isso, opte por ações que envolvam a comunidade e a empresa, no sentido de que ambas devem atuar em conjunto para fazer do espaço que dividem um lugar melhor para viver. Trabalhe sob o conceito de espaço conjunto, em que uma parte ajuda a outra, e engaje empresa e comunidade em prol de um interesse em comum. Por exemplo, a ideia de Fabinho de oferecer emprego às pessoas que ajudariam a empresa a recuperar o ambiente é uma boa.

Outro exemplo interessante é quando a empresa abre suas portas para a comunidade e organiza visitas à sua estrutura, sobretudo para mostrar de perto como estão trabalhando internamente para mitigar os danos no ambiente local. Isso passa credibilidade, aproxima as pessoas e tira a imagem da empresa como "vilã". Além disso, criar canais para que a comunidade se comunique direta e rapidamente com a empresa no caso de algum problema é sensacional. Pode ser um telefone, email ou até aplicativo de troca de mensagens; assim, em vez de reclamar a um fiscal público e causar um sério dano (como uma pesada multa), a comunidade pede ajuda primeiramente à empresa. 



Com esses passos básicos é possível fazer Relações com a Comunidade de maneira correta e eficaz. Sobretudo, acredito que, vendo cada passo, seja possível entender que se trata de algo complexo que precisa ser cuidadosamente pensado, e não uma "ideia brilhante" que se coloca em prática entrando do nada na comunidade. E o mais importante: é algo que precisa ser encabeçado por um responsável técnico.

Neste ponto, sei que existe muita discussão em torno de quem deve fazer isso e que, geralmente, o Marketing acaba abraçando a responsabilidade. Mas, defendo sempre que o profissional mais capacitado para Relações Comunitárias seja o relações-públicas, e de preferência um RP que já tenha alguma experiência com a área.

É importante lembrar que o RP é o único profissional, no rol da grande área que é a Comunicação, que pode assinar um projeto desses como responsável técnico. Poucos levam isso a sério, mas as empresas deveriam fazê-lo. Ora, a sua empresa não deixa qualquer um, senão um bom engenheiro, assinar como responsável técnico o projeto que vai erguer o seu prédio, não é mesmo? 


“Com relação à comunidade, a empresa deve participar como agente que saiba encarar os problemas, as necessidades e as controvérsias com sinceridade, sem querer fazer somente ‘imagem’ positiva da instituição, descompromissada e alienada da realidade social que enfrenta. É preciso deixar de lado essa tendência de querer utilizar as relações públicas para ‘enganar’. Se a empresa está fazendo qualquer coisa que prejudica a comunidade, é necessário, antes de mais nada, que ela providencie medidas técnicas para sanar o problema”
Margarida Kunsch, 1984
(Com adaptações)

Portanto, mãos à obra, pessoal! Estamos em 2015 e o fato da empresa se preocupar com o impacto de suas atividades no meio ambiente já é algo sine qua non para a sua existência. E se você chegou ao final deste post e gostaria de trocar mais ideias a respeito ou precisa de ajuda com este tema, deixe um comentário abaixo. Será um prazer interagirmos!


P.S. - um agradecimento especial ao relações-públicas Celso Alexandre, da Ouvidor Comunicação, que foi meu grande mestre em Relações Comunitárias. Impossível não me lembrar com gratidão de você, Celso, ao falar de um tema como este.

12 de dezembro de 2015

A comunicação como desafio

"É uma dificuldade conversar com ele! Você precisa ficar tentando arrancar as coisas dele e só recebe respostas de má vontade. Parece que está falando com a mãe dele, sabe". Ouvi esta reclamação, certa vez, de um colega que acabara de tentar interagir com um subordinado acerca do trabalho que estava sendo feito.

Mais tarde, naquele mesmo dia indo para casa almoçar, estava estacionando o carro perto de uma escola e, enquanto manobrava, passou ao meu lado uma menina, que deveria ter uns 6 anos, acompanhada pela mãe. Tive tempo de ouvir o seguinte diálogo: "mas o que mais você quer saber? Já falei"; "quando eu pergunto como foi sua aula, quero saber o que você aprendeu, com quem conversou, o que fez de interessante... É isso".

Essas duas situações num mesmo dia me fizeram refletir de como se comunicar está cada vez mais difícil em nossos dias atuais. E quando me refiro a se comunicar, falo da comunicação em seu conceito genuíno. Afinal, pessoas esbravejando nas redes sociais, reclamando do trabalho pelos corredores da empresa ou simplesmente dividindo um relacionamento que não faz mais sentido não estão, de fato, se comunicando, por mais que estejam se expressando.

Neste sentido, vale recorrermos à teoria da comunicação para lembrar que "comunicar" parte do princípio de "tornar comum", ou seja, fazer uma ideia, pensamento ou conceito que esteja com um emissor se tornar conhecido e entendido por um receptor, usando os meios e canais mais adequados para isso. Assim, vale uma regra de que comunicação é aquilo que o outro entende e não aquilo que você fala. Sempre!




Difícil aceitar isso? Extremamente! Afinal, como é mais fácil se eximir de qualquer responsabilidade neste processo e se revestir da razão "eu disse, foi você que não entendeu". Pois, o ato de dizer está cada vez mais facilitado hoje em dia, sobretudo por conta da revolução tecnológica pela qual vimos passando nos últimos anos. A questão é, temos muitas pessoas querendo dizer, mas poucas preocupadas em se comunicar, de fato. 

Aí, entra um fenômeno curioso, porque nunca foi da essência da comunicação se tornar um desafio para os seus interlocutores. Pelo contrário, a comunicação deveria ser aplicada como meio para resolver os desafios em nosso entorno. Uma empresa que precisa manter um bom relacionamento com a comunidade ao seu redor. Os governantes que deveriam ouvir as pessoas que os colocaram onde estão. Um pedido de perdão ou um "eu te amo".




Tudo isso deveria ser facilitado pela comunicação, mas, então, surgem os problemas para fazer isso possível. A empresa simplesmente não se preocupa com a comunidade ao seu redor. Os governantes não querem ser transparentes. Nós temos dificuldade em lidar com o perdão e em declarar o amor. Dessa forma, a comunicação não acontece, nada se torna comum e continuamos cada um de nós isolados, em sua própria esfera.

Tais exemplos podem parecer mais formais quanto ao ato de se comunicar, porém todos nós vivenciamos isso em nosso cotidiano, o tempo todo. Como é raro, por exemplo, sustentar uma conversa por um longo tempo sem que os envolvidos não chequem seus celulares ao menos uma vez. E o que estas pessoas estão fazendo ao pegarem seus celulares? Provavelmente, falando com outras pessoas, talvez até combinando outros encontros, sem prestar muita atenção ao encontro que está acontecendo naquele momento. Por fim, nunca estamos por completo em lugar algum. 




O interessante desse novo comportamento tecnológico é que à medida que se aumentam os recursos para se comunicar, a disponibilidade de ferramentas e as possibilidades de interação, menos estamos preocupados em tornar comum, em se comunicar de forma genuína, e mais dificuldade (e menos interesse) temos nesse desafio que se tornou a comunicação; seja um profissional para interagir com seu líder, seja uma filha para contar à mãe como foi seu dia.

Por isso, é tão importante que recuperemos a essência do que é se comunicar, dando mais atenção ao que tornamos comum no outro e menos importância para as ferramentas em si. Não opte pelo caminho mais fácil (eu disse, minha parte já fiz), mas procure entender o que o seu receptor está compreendendo. Uma boa conversa, pedindo feedback de modo aberto e verdadeiro, sempre valerá muito mais do que qualquer mensagem enviada pelo smartphone. 

Que tal tentar? O resultado pode te surpreender.