21 de dezembro de 2014

O seu tempo é meu


Você já recebeu uma demanda extra de seu chefe? Lembro-me de uma situação, que aconteceu em um de meus trabalhos passados, na qual meus superiores quiseram discutir com a equipe se deveriam aceitar ou não um trabalho extra que tinha surgido por solicitação de um cliente. A dúvida estava em torno do fato de sermos capazes de entregar resultados com a ação tendo que absorver uma demanda extra considerável.

Mas, um dos pontos levados em conta, comentados pelos próprios superiores, era que o trabalho valeria muito a pena, porque tinha sido vendido por um alto valor. Daí a preocupação de ter que fazer bem feito. No fim, eles acabaram aceitando o job. Corremos durante toda a semana para atender à ação, remanejamos outros trabalhos, fizemos o máximo e terminamos a semana com tudo entregue, e com resultados.

Após isso, fiquei pensando em como termos feito aquele trabalho extra tinha nos deixado afoitos. Terminamos a semana esgotados para dar conta de tudo. E havia uma pergunta que pairava sobre a equipe: o que ganhamos com isso tudo? Ora, os funcionários, obviamente, mais trabalho. Os chefes, por mais envolvidos que estivessem na ação, ficaram com poucas mudanças em sua rotina e o lucro do serviço vendido pelo "alto valor". O curioso foi que, depois, ainda fomos cobrados das pontas de outros clientes que ficaram para trás ao longo da semana, devido à correria. 

Não importa qual seja a situação, a cobrança sempre virá. E o lucro também. O interessante é para onde e para quem vai cada elemento. Eu sempre questiono as relações sobre as quais está estabelecido o nosso modelo de trabalho. A ideia de contratar um funcionário por um valor "X" e amontoar nele o máximo de trabalho que puder para fazer valer sua "hora" está, cada vez mais, perdendo sentido. Os profissionais estão tomando consciência que o valor daquilo que criam está além de um simples registro de números em sua carteira de trabalho. A "mais-valia", da qual Marx falava, está perdendo sua força.

Isso se evidencia em diversos fatos. O boom de empreendedorismo no Brasil nas últimas décadas tem mostrado isso ao mercado. São pessoas que se entendem capazes de fazer um bom trabalho e não veem sentido em vender sua inteligência a um patrão que, no máximo, lhe pagará um salário razoável. Isso na indústria criativa é algo gritante. A quarta edição do “Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil”, estudo realizado pelo Sistema FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), mostra que as empresas criativas cresceram 69,1% na última década, alcançando um total de 251 mil estabelecimentos.

Claro que o serviço prestado pelos criativos é algo mais fácil de se viabilizar, sobretudo por demandar mais de capital intelectual do que, necessariamente, um grande aporte inicial de capital de giro. No entanto, falando de outros setores, podemos lembrar da recente simplificação do "Simples", sancionada pela Presidente depois de muita luta da Secretaria da Pequena e Microempresa. E aqui em Campinas, Jonas Donizette sancionou, no dia 16, uma nova Lei de incentivos fiscais para empresas e um sistema onde será possível obter, pela internet, o licenciamento de alvarás de funcionamento em tempo reduzido e sem burocracia. Trata-se do Sistema Via Rápida Empresa.

Ou seja, facilita-se a abertura de empresas, incetiva-se o empreendedorismo, um conceito que ainda tende a se desenvolver no Brasil. Frente a isso, as organizações têm adotado a prática do intraempreendedorismo, outro fato que expõe quão gasto está nosso modelo tradicional de trabalho. Entendendo que o valor do capital intelectual de um funcionário está além de um simples salário formalizado, as empresas incentivam sua equipe a inovar dentro de seu ambiente, a fim de que elas sintam algo realmente seu tomando forma e agregando valor ao negócio.  

Contudo, para isso, os líderes precisam entender, e saber colocar em prática, um conceito que se chama "empoderamento", e aí a coisa pega. Empoderar significa abrir a mão de seu controle excessivo e confiar às pessoas que trabalham para você os ônus e bônus de seu trabalho. Envolve a segurança de que existem pessoas tão capazes quanto você de realizar algo fantástico e, sobretudo, deixá-las fazer esse trabalho autônomo acontecer. Luis Rasquilha, grande profissional que dissemina inovação por onde passa, tem falado muito sobre empowerment aqui em nossa região, tanto do aspecto interno como do ponto de vista do consumidor.

Creio que quando o assunto é empoderar colaboradores é ainda mais difícil para os "chefes" vivenciarem essa prática do que quando optam fazê-lo com o seu consumidor. Ainda vejo donos de negócios apegados a coisas ínfimas como ferramentas de controle e de tempo que visam monitorar seus funcionários. Querem ver diariamente, por meio de pontos eletrônicos e planilhas de timesheet, que cada segundo do funcionário, a partir do momento em que ele coloca os pés dentro da empresa, está sendo usado em prol da maximação de seu lucro. 

Bem, quem já foi funcionário ao menos uma vez na vida sabe o quanto isso é ilusão. É completamente ilusório achar que o profissional está trabalhando a seu favor a partir do momento que bate um ponto eletrônico ou que completa uma planilha de tempo. O "corpo presente" não garante fatores cruciais como acreditar no que faz, pensar no bem comum da equipe, ter inquietação sobre como poder inovar e fazer melhor, vivenciar os valores da empresa. Acredite, se um funcionário quiser negligenciar o seu tempo dentro da empresa, ele o fará, e das mais diversas formas possíveis.

Assim, a gestão do tempo de um profissional precisa ganhar um novo olhar. Precisa se libertar de padrões retrógrados e buscar uma essência que não se obtém por meio de ferramentas opressoras de monitoramento. A "boa vontade" de uma pessoa para com o seu trabalho não se consegue com controle, e sim com engajamento e empoderamento. Achas utópico o que estou defendendo? Então, convido-lhe a conhecer a gestão de pessoas em empresas como Google e 3M. 

Aliás, um dos mandamentos globais da 3M, criado na década de 40, é "contrate bons funcionários e deixe-os em paz". Segundo o manifesto da própria empresa, "esse mandamento tem sido fundamental para o percurso de sucesso da 3M e reforça o seu perfil inovador, pois permite ao funcionário assumir riscos e até cometer os primeiros erros, tolerados em nome do empreendedorismo e inovação". Se você quiser ler o texto integral da 3M, o que eu fortemente recomendo como inspiração, clique aqui: inovação 3M.

Por outro lado, também entendo o receio dos donos em trabalhar numa perspectiva tão "ousada". Em trabalhos de consultoria que já fiz como relações-públicas para resolver problemas internos de relacionamento, sempre ficava aparente o medo da ousadia de empoderar colaboradores. Afinal, é o negócio criado e fundado pela pessoa com muito esforço, além de envolver uma série de questões culturais e de aprendizados. 

Entretanto, ainda assim insisto que ao passo que se incentiva o comportamento operacional de uma pessoa, mais se terá problemas. Continuaremos, dessa forma, a vermos consumidores sendo mal atendidos, os índices de turnover nas empresas subindo e problemas internos tirando o sono de empresários. Falta apreço pelo que é estratégico, pelo que realmente importa.  

Mas, muitas vezes, por incrível que pareça, é isso que o chefe quer. Por mais que ele saiba que está se enganando ao controlar pessoas e que isso não trará valor e resultado à sua empresa, a sensação do controle conforta (e vicia). É mais fácil reforçar o operacional, você fala e a pessoa obedece, você pensa e o outro executa. É cômodo. Ter embate, mudanças e dar liberdade, isso, sim, é incômodo e difícil. Na verdade, não se quer pagar o preço. Melhor deixar como está.


7 de julho de 2014

O Capital dos Sonhos





Certa vez, parei para observar um jovem cujo principal talento era o seu sonho. Ele não tinha lá muita habilidade para transformar isso em algo útil, é verdade, e tal falta de destreza era perceptível de longe, mas o seu sonho... Ah, que sonho perfeito! Cheio de vida, repleto de gana, vigor, e muito talento. Praticamente um diamante não lapidado, de dar inveja ao culhão de muito baby boomer por aí.

O que mais me chamava atenção era que esse jovem, apesar de desajeitado, queria fazer algo com esse sonho tão único. Ora, tinha de mostrá-lo a alguém, o mundo inteiro deveria conhecê-lo! Foi então que, tomado pela necessidade, ele decidiu descer ao mais dos competitivos e obscuros dos mundos. O nome desse lugar não se sabia, e suas direções tampouco.

Lá, esse jovem encontrou todo tipo de criatura, bichos de sete cabeças querendo assustar, esfinges com seus enigmas, Narcisos com seus espelhos, Bacos com suas extravagâncias e até Afrodites, que, confusas, não sabiam se se entregavam à malemolência ou ao amor. Uma verdadeira mistura de misticidade com realidade, que aparentava loucura. Ingênuo jovem, mal sabia ele que tudo não passava da hipérbole de várias metáforas.

Foi nesse mesmo submundo que o jovem, carregando seu lindo sonho nas mãos, tomando cuidado para que o mesmo não lhe escapasse por entre os dedos, encontrou o Arrendador, um senhor que merece nossa atenção, tamanha é a sua peculiaridade. Não dá para explicar direito, é preciso vê-lo e fazer a sua própria descrição. A minha é a de um ser que, de tão ávido e faminto por arrendar, exalava um interior vazio e mal cheiroso. Ele carregava algumas marionetes em sua bolsa, uns fantoches em outra, e as mãos tinham calos. Ouro não faltava em sua vestimenta, fina e elegante, mas que, de perto, não conseguia esconder a putrefação que vinha de dentro de seus fios. Um ser vivo, cujos principais objetivos eram sobrevivência e lucro.

Quando tal criatura se deparou com o jovem, num rápido olhar carregado de experiência por quem já está cansado de ver jovens como aquele, logo depositou seu olhar sobre o sonho do juvenil. Ele, então, se diz amigo, solta palavras bonitas no ar, exibe suas marionetes, e pede para ouvir quem é aquele jovem. "Conte-me um pouco sobre você. Descreva-se", ele propõe, lambendo os beiços. O jovem, animado por ter encontrado alguém interessado em ouvi-lo, desata a falar sobre, claro, o seu sonho. "Quero mostrá-lo ao mundo!". "Ah, você quer?", indaga o entrevistador com o olhar cintilando.

"Tenho uma proposta a lhe fazer". O senhor ofereceu ao jovem a irrecusável ideia de vender seu sonho. "A troco de dinheiro e lucro?". "Não apenas isso! Isso será consequência do seu trabalho. O mais importante é que, a partir deste sonho, você produzirá mais iguais a ele", explica a criatura, desenhando o futuro brilhante do jovem. Parecia perfeito. Nada poderia dar errado. O jovem ficou vislumbrado. Afinal, era o melhor a se fazer naquela situação. 

O jovem foi levado ao galpão do Arrendador. E qual não foi sua surpresa quando, ao chegar, deparou-se com vários iguais a ele. Era fantástico! Todos tinham, vejam só, sonhos! Cada um diferente do outro, é verdade, mas eram sonhos. Todos únicos, cada um ao seu jeito. Mas, havia algo semelhante. Todos ali, sem exceção, não sabiam mais onde seu sonho se encontrava depois de um tempo. 

"Cadê? Aonde foi parar?", refletiam. Contudo, no cotidiano a que se submeteram por meio da genialidade do Arrendador, não havia muito tempo para se perguntar isso. Eram tantos sonhos para se reproduzir e o tempo sempre tão curto. Fabricar. Vender. Fabricar. vender. Fabricar... "De onde mesmo está vindo tudo isso?". "Não sei, já não me lembro". "Onde está o meu sonho?". "Depois pensamos, voltem ao trabalho, estamos perdendo tempo". E com o jovem que eu observava não foi diferente.

Vez ou outra o juvenil, agora arrendado, via um ou outro jovem parar e, numa digressão um pouco mais intensa, levantar-se e ir até a sala do Arrendador. Lá, um local que mais soava como um calabouço, onde o Arrendador já não tinha mais medo de ocultar a sua putrefação, era onde as reflexões ganhavam forma, os julgamentos eram feitos, e as perguntas sempre terminavam em "onde está o meu sonho?". Diante disso, até onde eu consegui ouvir, o Arrendador calmamente respondia "veja bem...", e a história sempre terminava igual, com o jovem saindo de volta ao seu cotidiano, já se esquecendo de seu sonho, para produzir mais e mais outros sonhos.

Não pense que a coisa não ia bem. Pois ia, e funcionava. O jovem, coitado, até ficava feliz quando terminava tudo e conseguia alcançar o que o Arrendador lhe propunha. "Conseguimos! Está feito! Terminamos uma remessa de sonhos!", comemorava-se. Porém, algo estranho acontecia quando os sonhos eram concluídos. As máquinas, dez minutos depois, reiniciavam-se e tudo recomeçava do zero. Mais sonhos precisavam ser feitos. "Novos desafios, pessoal", exclamava contente o Arrendador. "Mas, e tudo que produzimos até então?". "Bom trabalho! Mas, agora, esqueçam. Isso já é passado. Tudo será novo daqui pra frente".

Diante disso, o jovem notava que o Arrendador já não lhe conhecia mais. Percebeu que, virava e mexia, acabava caindo dentro de sua bolsa, a mesma onde estavam as marionetes. "Gente, vocês sabem aonde foi parar o meu sonho?". "Estou achando um absurdo eu não encontrá-lo mais". "Precisamos achá-lo". "Pessoal, e os sonhos desta remessa, já estão prontos? Espero que sim, para vocês terem tempo de ficarem pensando nisso aí". As vozes já incomodavam o jovem, não era mais possível ignorá-las. O questionamento do que havia acontecido com seu sonho era mais forte do que tudo.

Foi, então, que o jovem tomou coragem e decidiu falar com o Arrendador. O diálogo, que mais parecia um monólogo do próprio Arrendador, seguiu-se como todos os outros. Objeções eliminadas, após o "veja bem...", ilusões remontadas e de volta ao trabalho! Mas, não... O jovem exigiu que queria ver o seu sonho. O Arrendador engasgou, gaguejou, titubeou. A exigência foi feita novamente. "Quero vê-lo!". "Veja bem...". "Ou melhor, não quero só vê-lo, quero-o de volta. E agora!", pediu o jovem, interrompendo a fala repetida do Arrendador.

A criatura, de má vontade e ciente do que estava perdendo naquele exato instante, arrancou o sonho do jovem da bolsa de marionetes e o colocou em cima da mesa. O jovem, então, olhou para o seu sonho e o acolheu em seus braços com emoção. O reencontro era essencial! Como pôde, por tanto tempo, deixá-lo de lado?

O sonho, na verdade, não era mais o mesmo. Ele ainda era um sonho, entretanto, já não tinha mais o mesmo brilho. Havia se transformado. Um pouco, ou muito (não se sabe ao certo), de sua essência havia se perdido.

"Igual ao seu, eu tenho centenas", disse o Arrendador, apontando através do calabouço para os demais jovens em suas baias. Percebido isso, o jovem olhou para trás, observou aqueles outros jovens fabricando e vendendo sonhos, todos réplicas dos originais, e se perguntou o quanto de sua essência os demais também já perderam. Foi naquele momento que ele se deu conta de que até mesmo os sonhos precisam de limites.

"Pois alimente-se de si mesmo, seu catoblepas!", retrucou o jovem para o Arrendador. Depois disso, saiu. Deixou o galpão daquela criatura. Deixou os demais jovens para trás. Estava de volta, no mundo, com seu sonho em mãos. "Liberdade!", comemorou. Estava feliz, havia se libertado. Mas, então, olhou à sua volta. Teria que tomar outro caminho. Havia várias opções. Não poderia ficar ali parado. "E agora?", perguntou a si mesmo.



12 de junho de 2014

A aparência da superficialidade


Outro dia, em um almoço, perguntei a uma amiga se ela conseguia manter contato com as pessoas com quem se relacionava. Ela, então, me contou o caso de um garoto com quem ficou e foi bom, pois o rapaz, "apesar de mais novo", era interessante. Inclusive, ela o levou para acompanhá-la em um momento em que fez algo importante para si. Mas, depois disso, não queria mais ficar com ele. Prática e aberta como de costume, minha amiga foi sincera com o rapaz, que, após isso, não voltou mais a procurá-la. Antes, a troca de mensagens no Whats era constante.

Nem todas as relações precisam ser eternas e duradouras, sobretudo quando certos interesses cessam, mas o caso de minha amiga me fez pensar em como nossos relacionamentos são frágeis, passageiros e superficiais. Com essa mesma amiga, às vezes, comento sobre quem achamos "ser bonito". Sempre caímos na mesma contradição. Eu digo que considero certa pessoa bonita por conta, comumente, de algo ligado à sua personalidade ou inteligência, e ouço "mas, Wagner, estamos falando de beleza física". Argumento que tenho dificuldade em separar beleza física de beleza interior.

Seja na maneira como nos relacionamos ou no conceito do que é bonito, é impressionante como a nossa visão se torna cada vez mais superficial. É extremamente fácil, nos dias atuais, deixar de fazer parte da vida de alguém, por mais que se goste dessa pessoa e que se nutra identificação por ela. E pior, é igualmente fácil sequer sentir falta da mesma. Temos tantas coisas a que prestar atenção, tanto a se fazer e tantos a conhecer, que um a mais ou um a menos não faz diferença.

Da mesma forma, é extremamente fácil descartar ou considerar alguém pelo que se enxerga no exterior. Não importa quem você seja, quais suas aspirações pessoais, sua visão de mundo ou suas experiências de vida. Afinal, o rosto e o corpo já evidenciam tudo, o exterior basta. Pra que gastar tempo com conversas e olho no olho? Dá trabalho, cansa, é preciso paciência. Os aplicativos de pegação, que localizam pessoas disponíveis a alguns metros de distância, talvez sejam a maior representação disso. Basta uma olhada rápida pela foto do indivíduo, e, caso ele não satisfaça aos olhos ávidos pela beleza, é só descartar e passar ao próximo. Há muitas opções.

E nessa imensa prateleira de pessoas disponíveis que se tornou nossas relações, em que escolhemos e vemos gente da mesma forma como selecionamos embalagens de produtos no supermercado, é interessante notar que esses dois pontos, aparência e relacionamentos superficiais, cruzam-se e constituem a ordem de nossos interesses sociais, sedentos por beleza e experiências de curto prazo. Não existe mais espaço para se aprofundar no significado existente em sua relação com o outro, o que vale é a sensação momentânea. Atualmente, pensar para se relacionar é praticamente dispensável.

E, assim, vamos construindo camadas e mais camadas de momentos curtos, rápidos e supérfluos, baseados apenas no superficial, no aparente, naquilo que vemos e decodificamos de forma instantânea. A consequência disso? Uma sociedade constituída por seres vazios e sem conteúdo, com um repertório estruturado naquilo que se acha e imagina, sem espaço para conhecer o verdadeiro cerne das situações. É essa mesma sociedade que deixa passar e ignora nosso corrupto e ineficaz sistema político, que é incapaz de entender e participar ativamente do sistema da democracia, e que convive diariamente com a injustiça e com absurdos sociais que vemos de maneira singular aqui no Brasil.

Mas, nós não estamos sozinhos nisso. Uma série de agentes reforçam essa espécie de consenso que admitimos às nossas relações. A educação não forma indivíduos críticos, limita-se a passar alunos de ano até despejá-los escola à fora, quem sabe preparando-os para o vestibular. Ler obras literárias inteiras e se envolver em projetos científicos? Imagine. Desnecessário. Sejamos práticos. Pegue um resumo na internet, e decore (mesmo que não entenda) a tabela periódica. Já basta.

Os meios de comunicação, por sua vez, enchem nossos olhos com aquilo que queremos ver. Os que poderiam ser os grandes e valiosos disseminadores da cultura, transformadora de consciência e opinião, preferem dar visibilidade ao culto ao corpo e a conteúdos que são, de fato, elementos alienadores e matadores de qualquer raciocínio crítico e inteligente. Caio Castro não precisa gostar de teatro e literatura, é só tirar a roupa, inclusive a cueca, segurar um buquê de flores e está tudo certo. Os enquadramentos em super close nos rostos dos atores da TV deixam claro que o mais importante é o que se vê, e não o que se expressa.

Infelizmente, o meio profissional também não está livre disso. A superficialidade impera pelo pensamento de gestores e empreendedores que, na ânsia ilusória de otimizar tempo e produzir mais, mal conhecem os seres que trabalham consigo. É melhor dar ordens, fazer tabelas de tarefas para distribuir jobs, ligar as máquinas, e pouco importam os valores e as contribuições inovadoras daqueles que são, meramente, funcionários. Chamar de "colaboradores" e conceder benefícios "bonitinhos" não mudam essa realidade. Espere uma crise financeira assolar a organização e você verá aonde vão parar essas balelas institucionais.

Nesse mesmo contexto, a superficialidade não se concentra apenas nos superiores, os detentores do capital, mas também nos próprios funcionários, que, com receio de perder seus empregos e pró-labores ou na promessa de "ascender" no organograma, sustentam máscaras em seus relacionamentos. Pouco se encontra de atitude verdadeira, atualmente, no ambiente corporativo; de pessoas buscando, genuinamente e com brilho nos olhos, um propósito real. Faz-se o que é preciso para agradar, para parecer ao chefe que seu trabalho vale de algo, e que, mesmo carecendo de conteúdo, é um subordinado obediente, submisso e capaz de replicar comportamentos que agradem à alta gerência. Mais uma vez, a aparência é mandatória.

Não sei aonde podemos, e vamos, chegar com tudo isso. O fato é que a aparência da superficialidade, hoje, agrada a todos nós em diversos âmbitos de nossos espaços sociais. Lembro-me de Irene Ravache, em entrevista ao Roda Viva de 19 de maio, comentando que, talvez, nos preocupemos tanto em consertar a flacidez de fora com plásticas porque estejamos flácidos por dentro. Faz sentido.  

E lembro-me também de Céu, que, muito sábia, canta mais valorizar o olhar do que o beijo do menino bonito. E você, entre beijo e olhar, fica com o quê?



4 de junho de 2014

Uma sociedade de seres limitados


Recentemente fiquei sabendo da demissão de um colega profissional, por quem eu nutria certa admiração pela postura e modo de pensar. Ao perguntar o que tinha acontecido, ele atribuiu sua demissão ao fato de ter dado uma sugestão numa reunião de equipe, que incomodou seriamente seus líderes. A colocação, feita perante todos os presentes, gerou uma "conversa" com o gerente, culminando no desligamento.

Claro que a demissão não aconteceu apenas pela sugestão mal ou bem colocada. Pelo que acompanhei de longe, isto foi apenas o estopim de um histórico ruim, causado, acredito eu, pela alocação de um bom profissional numa vaga com perfil errado. Mesmo assim, o acontecido me fez refletir sobre como, geralmente, as sugestões de mudanças são recebidas.

Lembro-me como se fosse hoje quando, numa reunião de um trabalho voluntário que eu realizava, fui sugerir que a votação pelo novo líder da diretoria desse atenção a um novo nome, competente, que significaria a renovação de um cargo que era ocupado pela mesma pessoa há quase uma década. Fui apoiado por poucos, fuzilado por muitos, especialmente os mais idosos.

Isso não significa que as sugestões e novas ideias devam sempre estar com a razão e serem aceitas e acolhidas, pois até mesmo uma inovação tem seu momento certo de acontecer. Contudo, o que me chama atenção é como as pessoas lidam com isso. Normalmente, ao sugerir que algo seja feito de modo diferente, o primeiro ímpeto é apresentar objeções para que tudo continue como está. Afinal, "sempre fizemos assim", "é assim que tem de ser".

Soa como medo da mudança. Óbvio, mudar causa incômodo, fazer algo diferente não é simples. Em uma organização, exige realinhamento de processos, realocação de recursos e até mudança de cultura organizacional. É um processo doloroso. Portanto, deve ser analisado com cuidado. Mas, deve ser analisado. E é aí que está o ponto.

Quantos talentos não saem das universidades cheios de ideias e gás para fazer diferente e propor mudanças? Após passarem por um estágio de aprendizado no lugar onde estão, querem fazer suas colocações, dar opinião, apontar melhorias. É um incômodo característico da geração Y, e acredito que será ainda mais latente quando a geração Z chegar ao mercado de trabalho. Entretanto, ao fazê-lo, a primeira coisa que recebem logo de cara é pouca abertura a serem ouvidos.

Tal falta de receptividade sequer para ouvir um talento dentro da organização pode acontecer por uma série de motivos. O mais curioso de todos é pelo medo do superior de que seu subordinado se apresente melhor do que ele, por isso sempre o barrará. Como assim? Por que contratar alguém pior do que você? Para continuar no posto de soberano absoluto? Ora, seja parceiro desse talento e use suas habilidades para crescerem juntos e, com isso, alavancar a organização.

Além disso, uma comunicação interna deficiente, falta de cultura de inovação e maus gestores de pessoas são outras razões pelas quais os profissionais são limitados. Infelizmente, isso não começa no mercado de trabalho. Se olharmos um pouco mais para trás e analisarmos a nossa educação veremos que isso se inicia logo na escola, na formação de base desses profissionais.

Do ensino primário ao ensino médio, quando somos condicionados a fazer tanta cópia e ditado, treina-se pessoas para repetir padrões, serem uma reprodução daquilo que já foi estabelecido sabe-se lá por quem e há quantas décadas (ou séculos) atrás. É um sistema que remete aos jesuítas, à educação no Brasil colônia. Estamos longe de preparar pessoas para o conceito de economia criativa. Não é de se admirar que, ao chegarem ao ensino superior, esses alunos, que ainda possuem um raciocínio lógico atrasado e um conhecimento pífio da língua portuguesa, apresentem dificuldades quando ouvem do professor "não darei um roteiro para este trabalho. Criem sua própria estrutura". 

Ainda assim, há aqueles que persistem em criar. E os poucos preparados para inovar vão para o mercado de trabalho e, comumente, encontram uma nova limitação de coordenadores, gerentes e donos de empresas, os conhecidos "chefes" e "patrões". Uma pena. Uma sociedade que se apraz em formar seres limitados. Nem vou adentrar à realidade de como o poder público recebe as demandas de seus cidadãos, porque, daí, terminaria este texto exterminando qualquer esperança.

Pois, sim, há esperança. O boom de empreendedorismo que temos visto nos últimos anos é um exemplo disso, impulsionado pela convergência digital e pela mentalidade das novas gerações. São pessoas cansadas de serem limitadas, motivadas por fazer algo diferente, ainda que em seu próprio e pequeno espaço, serão donas de sua inovação. Grandes pessoas também foram assim e servem de inspiração. Steve Jobs, Yves Saint Laurent, Margaret Thatcher, Joaquim Barbosa. Todos eles não se deixaram limitar pelos padrões, sistemas, limitações e eventuais "patrões" ou "chefes".

E você, tem se deixado limitar? Qual foi sua última ideia de inovação que vingou? Talvez, seja hora de se mover.