20 de dezembro de 2015

Relações com a Comunidade na novela Totalmente Demais

Eu adoro quando a ficção nos dá bons exemplos dos conceitos de comunicação! É uma forma lúdica de abordar temas técnicos que estão presentes todos os dias em nossas vidas. Até hoje, quando quero falar de Mídia Espontânea e Assessoria de Imprensa recorro a um capítulo da novela Belíssima. E quantos RPs não ficaram injuriados quando o personagem de Gianecchini, na novela Passione, foi chamado de relações-públicas apenas por conta de sua beleza?




Pois é, a ficção nos brinda com excelentes cases, e não é só nas novelas de Silvio de Abreu que vemos isto. Recentemente, a atual novela das 19h, Totalmente Demais, mostrou um belo exemplo de como não fazer Relações com a Comunidade, mais especificamente no capítulo que foi ao ar no dia 07 de dezembro. Quem acompanha a novela sabe que os personagens Fabinho e Jonatas têm tentado se infiltrar na comunidade que fica perto da empresa fabricante de cosméticos Bastille, porém sem sucesso.



O que acontece é que a Bastille prejudica as águas desta comunidade com sua produção, geradora de poluentes. Então, para mitigar tais danos, Fabinho, filho do presidente da empresa, desenvolveu um projeto de relações com a comunidade, no qual, inclusive, os moradores trabalhariam neste projeto ajudando a empresa. A ideia parece boa, afinal, além de tentar reverter os danos causados, a empresa emprega os moradores locais.

Mas, o problema não foi no planejamento do projeto, foi na execução. Quem assistiu a este capítulo do dia 07 viu a quantidade de erros que os jovens da empresa cometeram em sua segunda visita à comunidade. Além da entrada descabida no local, com um ostentoso carro do ano e uma câmera filmadora nas mãos, eles tentaram resolver um passo importante do projeto no meio da rua, a céu aberto em um momento "x" do dia. Sem avisar nada antes, sem agendar, sem apoio algum. 



Nestas condições, obviamente eles seriam mal recebidos. Contudo, sempre dá para piorar. E piorou mesmo, quando Fabinho tem a brilhante ideia de pegar um maço de dinheiro e começar a contá-lo na frente de todo mundo. O dinheiro seria para pagar os moradores cadastrados que trabalhariam no projeto pela primeira semana de atuação, mas acabou passando por dinheiro usado para comprar drogas pela polícia local. No fim das contas, Fabinho foi detido e levado à delegacia. 


Você pode conferir a cena completa no site do Gshow, de onde tirei estes prints.


Relevando os aspectos dramáticos da cena, que, claro, dão o tom de uma obra melodramática, a forma como tudo aconteceu é muito interessante para analisarmos, do ponto de vista das Relações Públicas, um projeto que, em teoria, teve um planejamento adequado, mas uma péssima execução. Certamente, se a Bastille tivesse um RP competente em seu departamento de Marketing isso não teria acontecido. 

Assistindo à cena, me lembrei de minha experiência mais relevante com Relações com a Comunidade, logo em meu primeiro trabalho como relações-públicas, numa grande empresa de mineração da Região Metropolitana de Campinas. Assim como no caso da Bastille, as atividades desta empresa impactavam a comunidade em seu entorno e a organização queria fazer algo para tornar essa relação mais amigável, por questões óbvias de garantir a permanência de suas atividades no local sem empecilhos. 

Por isso, inspirado pelo caso da Totalmente Demais, elenquei 5 pontos básicos que não podem faltar em qualquer projeto de Relações com a Comunidade. Olha só:

1 - Pesquisa e Diagnóstico

Antes de pensar e planejar qualquer coisa, a empresa que deseja fazer algo pela comunidade ao seu redor precisa de um bom projeto de pesquisa, a fim de chegar a um diagnóstico preciso da atual situação. Afinal, quais são os problemas que a organização causa à comunidade? Como eles repercutem no local? Qual é a imagem que a comunidade tem da empresa? Levantar estas hipóteses de dentro de uma sala com ar condicionado na empresa é completamente diferente de ir até a comunidade e sentir na pele.

Para isso, há vários recursos possíveis e, na maior parte das vezes, a técnica de auditoria de opinião é o mais eficaz. Se a empresa deseja se precaver de que a comunidade saiba de sua pesquisa ou não tem profissionais experientes e/ou suficientes para isso, contratar um instituto de pesquisa sério pode ser útil. Nesta auditoria é crucial mapear as principais entidades locais, os formadores de opinião e os principais pontos de danos. 



Por fim, cuide da apresentação do diagnóstico final à empresa. Pois, a maior parte das empresas se propõe a fazer um projeto com a comunidade porque teme que suas atividades sejam prejudicadas. Infelizmente, nem sempre a direção corporativa está conscientizada da importância disso e será papel do RP travar esta luta. Quem já passou por isso sabe que, de fato, é uma luta. Por isso, levar fotos dos locais visitados, gravação de depoimentos (se possível e cabível) dos moradores e "aspas" dos depoimentos coletados ajuda nesta conscientização (ou, ao menos, na sensibilização para convencimento).  

2 - Planejamento

Este não foi o problema da Bastille na novela, mas é onde as equipes de comunicação costumam derrapar. Na ânsia de colocar logo o projeto em prática após a aprovação, desencadeia-se uma série de ações soltas o mais rápido possível e tudo se perde em determinado momento. E pior, nada é medido e acompanhado e, no futuro, não se terá recursos para mensurar e apresentar resultados factíveis à direção da organização. 


Um dos melhores livros que já li sobre planejamento, de Joe Marconi. Fica a dica! 


Por isso, caros comunicólogos, não negligenciem o tão importante planejamento. Ele não é um amontoado de papel que só serve quando vemos teorias na graduação. Usem o planejamento a seu favor lembrando de sua estrutura básica, após ter fechado o diagnóstico e com um bom prognóstico em mãos: objetivos (claros e mensuráveis), públicos de interesse, estratégias, táticas, cronograma e orçamento. Sem isso, não será possível aprovar e nem terminar nada, sobretudo numa organização de grande porte.

3 - Faça parcerias

Ver os jovens da Bastille entrando do nada na comunidade local achando que seriam bem recebidos chega a ser cômico. Ora, dentro da empresa está tudo planejado, aprovado e faz sentido. Mas, o que a comunidade tem a ver com isso tudo? Ninguém sabe das intenções da empresa. Portanto, é essencial que se faça fortes parcerias oficiais com as pessoas certas, para que a chegada da empresa à comunidade não seja um evento estranho.


Este livro do Gutierrez Fortes tem um excelente capítulo sobre relações comunitárias, detalhando, inclusive, as ferramentas de pesquisa para isso. Também indico!


Isso, certamente, deverá estar no planejamento, e fará parte do trabalho da equipe de comunicação ir pessoalmente aos órgãos públicos, às entidades e lideranças locais, aos formadores de opinião e à segurança local apresentar o projeto da empresa. E o mais importante: ter a autorização oficial (no caso do poder público) e o consentimento dos mesmos para entrar na comunidade e fazer qualquer coisa ali. Oficialize, autorize e registre tudo! Acredite, isso fará total diferença na hora de proteger a empresa de qualquer dano e na maneira como a equipe será recebida pela comunidade.

4 - Comunique!

Esta, geralmente, é a parte que nós, comunicólogos, mais gostamos de fazer. Após tanta pesquisa, planejamento e conversas com várias pessoas para viabilizar um projeto, comunicar suas ações costuma ser a parte mais "divertida", sobretudo porque envolve criação.

Este é o momento em que a comunidade fica sabendo do projeto que a empresa quer colocar em prática, e comunicá-lo de forma adequada, pelos meios e canais de comunicação corretos, é determinante para o seu sucesso. Neste caso, costumamos lidar com canais de comunicação bem alternativos, pois estamos falando de uma comunidade local. Assim, não é atípico termos que atuar, por exemplo, com carros de som, panfletagem e cartazes em locais como bares, postos de saúde e escolas.



Mas, se estamos atuando numa comunidade maior, como um aglomerado de bairros na proporção de uma cidade pequena, pode-se também partir para meios como rádio e jornais de bairro. Esta é a parte em que os criativos trabalham, produzindo peças, escrevendo textos e criando audiovisuais que serão utilizados para impactar a comunidade a respeito do projeto. Lembrem-se: não deem uma de Fabinho chegando com um carro do ano falando do projeto no meio da rua com quem estiver passando.

5 - Use boas ações

Finalmente, é hora do projeto acontecer! E, para o seu sucesso, é preciso aplicar boas ações. Aqui, um erro muito comum é a empresa cair no engano do assistencialismo. Cuidado com isso! Dar assistência é papel do poder público, não do setor privado. Sem falar que é péssimo a empresa tomar a postura de "vem cá que vou te dar umas cestas básicas e você não reclama do que eu to fazendo aqui, ta bom?". Soa como comprar as pessoas e qualquer ação neste sentido deve ser categoricamente evitada.

Por isso, opte por ações que envolvam a comunidade e a empresa, no sentido de que ambas devem atuar em conjunto para fazer do espaço que dividem um lugar melhor para viver. Trabalhe sob o conceito de espaço conjunto, em que uma parte ajuda a outra, e engaje empresa e comunidade em prol de um interesse em comum. Por exemplo, a ideia de Fabinho de oferecer emprego às pessoas que ajudariam a empresa a recuperar o ambiente é uma boa.

Outro exemplo interessante é quando a empresa abre suas portas para a comunidade e organiza visitas à sua estrutura, sobretudo para mostrar de perto como estão trabalhando internamente para mitigar os danos no ambiente local. Isso passa credibilidade, aproxima as pessoas e tira a imagem da empresa como "vilã". Além disso, criar canais para que a comunidade se comunique direta e rapidamente com a empresa no caso de algum problema é sensacional. Pode ser um telefone, email ou até aplicativo de troca de mensagens; assim, em vez de reclamar a um fiscal público e causar um sério dano (como uma pesada multa), a comunidade pede ajuda primeiramente à empresa. 



Com esses passos básicos é possível fazer Relações com a Comunidade de maneira correta e eficaz. Sobretudo, acredito que, vendo cada passo, seja possível entender que se trata de algo complexo que precisa ser cuidadosamente pensado, e não uma "ideia brilhante" que se coloca em prática entrando do nada na comunidade. E o mais importante: é algo que precisa ser encabeçado por um responsável técnico.

Neste ponto, sei que existe muita discussão em torno de quem deve fazer isso e que, geralmente, o Marketing acaba abraçando a responsabilidade. Mas, defendo sempre que o profissional mais capacitado para Relações Comunitárias seja o relações-públicas, e de preferência um RP que já tenha alguma experiência com a área.

É importante lembrar que o RP é o único profissional, no rol da grande área que é a Comunicação, que pode assinar um projeto desses como responsável técnico. Poucos levam isso a sério, mas as empresas deveriam fazê-lo. Ora, a sua empresa não deixa qualquer um, senão um bom engenheiro, assinar como responsável técnico o projeto que vai erguer o seu prédio, não é mesmo? 


“Com relação à comunidade, a empresa deve participar como agente que saiba encarar os problemas, as necessidades e as controvérsias com sinceridade, sem querer fazer somente ‘imagem’ positiva da instituição, descompromissada e alienada da realidade social que enfrenta. É preciso deixar de lado essa tendência de querer utilizar as relações públicas para ‘enganar’. Se a empresa está fazendo qualquer coisa que prejudica a comunidade, é necessário, antes de mais nada, que ela providencie medidas técnicas para sanar o problema”
Margarida Kunsch, 1984
(Com adaptações)

Portanto, mãos à obra, pessoal! Estamos em 2015 e o fato da empresa se preocupar com o impacto de suas atividades no meio ambiente já é algo sine qua non para a sua existência. E se você chegou ao final deste post e gostaria de trocar mais ideias a respeito ou precisa de ajuda com este tema, deixe um comentário abaixo. Será um prazer interagirmos!


P.S. - um agradecimento especial ao relações-públicas Celso Alexandre, da Ouvidor Comunicação, que foi meu grande mestre em Relações Comunitárias. Impossível não me lembrar com gratidão de você, Celso, ao falar de um tema como este.

12 de dezembro de 2015

A comunicação como desafio

"É uma dificuldade conversar com ele! Você precisa ficar tentando arrancar as coisas dele e só recebe respostas de má vontade. Parece que está falando com a mãe dele, sabe". Ouvi esta reclamação, certa vez, de um colega que acabara de tentar interagir com um subordinado acerca do trabalho que estava sendo feito.

Mais tarde, naquele mesmo dia indo para casa almoçar, estava estacionando o carro perto de uma escola e, enquanto manobrava, passou ao meu lado uma menina, que deveria ter uns 6 anos, acompanhada pela mãe. Tive tempo de ouvir o seguinte diálogo: "mas o que mais você quer saber? Já falei"; "quando eu pergunto como foi sua aula, quero saber o que você aprendeu, com quem conversou, o que fez de interessante... É isso".

Essas duas situações num mesmo dia me fizeram refletir de como se comunicar está cada vez mais difícil em nossos dias atuais. E quando me refiro a se comunicar, falo da comunicação em seu conceito genuíno. Afinal, pessoas esbravejando nas redes sociais, reclamando do trabalho pelos corredores da empresa ou simplesmente dividindo um relacionamento que não faz mais sentido não estão, de fato, se comunicando, por mais que estejam se expressando.

Neste sentido, vale recorrermos à teoria da comunicação para lembrar que "comunicar" parte do princípio de "tornar comum", ou seja, fazer uma ideia, pensamento ou conceito que esteja com um emissor se tornar conhecido e entendido por um receptor, usando os meios e canais mais adequados para isso. Assim, vale uma regra de que comunicação é aquilo que o outro entende e não aquilo que você fala. Sempre!




Difícil aceitar isso? Extremamente! Afinal, como é mais fácil se eximir de qualquer responsabilidade neste processo e se revestir da razão "eu disse, foi você que não entendeu". Pois, o ato de dizer está cada vez mais facilitado hoje em dia, sobretudo por conta da revolução tecnológica pela qual vimos passando nos últimos anos. A questão é, temos muitas pessoas querendo dizer, mas poucas preocupadas em se comunicar, de fato. 

Aí, entra um fenômeno curioso, porque nunca foi da essência da comunicação se tornar um desafio para os seus interlocutores. Pelo contrário, a comunicação deveria ser aplicada como meio para resolver os desafios em nosso entorno. Uma empresa que precisa manter um bom relacionamento com a comunidade ao seu redor. Os governantes que deveriam ouvir as pessoas que os colocaram onde estão. Um pedido de perdão ou um "eu te amo".




Tudo isso deveria ser facilitado pela comunicação, mas, então, surgem os problemas para fazer isso possível. A empresa simplesmente não se preocupa com a comunidade ao seu redor. Os governantes não querem ser transparentes. Nós temos dificuldade em lidar com o perdão e em declarar o amor. Dessa forma, a comunicação não acontece, nada se torna comum e continuamos cada um de nós isolados, em sua própria esfera.

Tais exemplos podem parecer mais formais quanto ao ato de se comunicar, porém todos nós vivenciamos isso em nosso cotidiano, o tempo todo. Como é raro, por exemplo, sustentar uma conversa por um longo tempo sem que os envolvidos não chequem seus celulares ao menos uma vez. E o que estas pessoas estão fazendo ao pegarem seus celulares? Provavelmente, falando com outras pessoas, talvez até combinando outros encontros, sem prestar muita atenção ao encontro que está acontecendo naquele momento. Por fim, nunca estamos por completo em lugar algum. 




O interessante desse novo comportamento tecnológico é que à medida que se aumentam os recursos para se comunicar, a disponibilidade de ferramentas e as possibilidades de interação, menos estamos preocupados em tornar comum, em se comunicar de forma genuína, e mais dificuldade (e menos interesse) temos nesse desafio que se tornou a comunicação; seja um profissional para interagir com seu líder, seja uma filha para contar à mãe como foi seu dia.

Por isso, é tão importante que recuperemos a essência do que é se comunicar, dando mais atenção ao que tornamos comum no outro e menos importância para as ferramentas em si. Não opte pelo caminho mais fácil (eu disse, minha parte já fiz), mas procure entender o que o seu receptor está compreendendo. Uma boa conversa, pedindo feedback de modo aberto e verdadeiro, sempre valerá muito mais do que qualquer mensagem enviada pelo smartphone. 

Que tal tentar? O resultado pode te surpreender. 



28 de novembro de 2015

Da capacidade de se apaixonar

"Paixão não é uma coisa boa. Eu, quando estou apaixonado, sofro. É algo que dói em mim, não sei como lidar". Certa vez, ouvi isso como resposta, ou como esquiva, quando me declarei apaixonado por alguém. Confesso que foi a primeira vez que tive como feedback uma conotação negativa do conceito de se apaixonar. E, como argumento, esta pessoa ainda me expôs: você já viu o significado de paixão no dicionário?

E o argumento tem coerência. Segundo o dicionário online Michaelis, paixão pode ser considerada desgosto, mágoa ou sofrimento prolongado. Já para o Priberam, "perturbação ou movimento desordenado do ânimo" e "grande desgosto, grande pesar" são os significados mais marcantes. Daí, depreende-se o conceito de "Paixão de Cristo". Mas, será que se apaixonar é só sofrer?

Se for apenas isto, dá para compreender porque vivemos numa época em que é condenado se apaixonar. Num ciclo em que decepcionamos e somos decepcionados o tempo todo, estabeleceu-se a máxima "nunca crie expectativas", máxima esta que já foi tema de livros, vive circulando em posts nas redes sociais e é a regra de ordem para os relacionamentos atuais, sobretudo os amorosos.

Assim, no receio, ou quase certeza, de que sempre vamos nos dar mal no final, é melhor não criar expectativas. Não dê o braço a torcer, deixe que o outro venha atrás, este é o jogo... Dose suas pretensões, isso pode dar em nada... Messe sua esperança, já vi outros se darem mal assim e no fim sempre acaba do mesmo jeito... Falas que já perpetuam os conselhos de qualquer conversa de botequim.




O problema dessas verdades incontestáveis? É que estamos nos tornando uma geração completamente apática, sem brilho nos olhos, que se resguarda logo de cara de se envolver com qualquer coisa já pensando num futuro próximo em que irá sofrer (se é que a nossa geração sabe bem o que é sofrimento e, sobretudo, o que é futuro).

Um fato cabal que corrobora tal realidade é a dificuldade encontrada pelas gerações mais novas de se envolver com algo. Temas de reportagens, novelas e documentários, fala-se muito de como a Geração Y vive "de galho em galho" no mercado de trabalho, porque simplesmente não se para em emprego algum. E, da mesma forma, discute-se muito o problema da Geração Z que se encontra na situação "nem nem", ou seja, nem trabalham, nem estudam. Nada os encanta o suficiente para atrai-los, segurá-los por muito tempo, pois é tudo imediatista, momentâneo, experimental.




Dessa forma, vamos vivendo apenas de momentos, nos esvaecendo da capacidade de perdurar em nossos propósitos, de construirmos algo que nos exige tempo, paciência e persistência. E aí, caros defensores do bordão "não crie expectativas", não há como se relacionar bem com o longo prazo se não houver vontade, tesão, gana, desejo e, finalmente, a tal paixão. 

É a paixão que permite nos encantarmos por algo. Se aliada a um propósito sólido e maior e às nossas convicções, é este sentimento, que a princípio gera dor, que vai nos levar adiante. Dele vem a beleza para encher os nossos olhos e acender a nossa chama interna.

E como essa chama interna é crucial em tudo que fazemos! Como é bonito, por exemplo, um casal que completa bodas de ouro ter a capacidade de se apaixonar dia após dia um pelo outro, por diferentes motivos, com diferente razões, perdurando sua relação acesa e apaixonante. Como é admirável uma carreira construída por décadas na qual o profissional se apaixona, dia após dia, por aquilo que faz, por tudo que está construindo, pelos frutos colhidos e pelas sementes plantadas pelo caminho.

Ou, ainda, uma causa social que perdura ano após ano, promovendo reflexões e construindo o bem por mais que este planeta se mostre cada vez mais difícil e doente, com a capacidade de se apaixonar a cada novo passo, não se deixando esmorecer. E, quem sabe, um doente na cama de hospital que luta incansavelmente pela sua vida, indo contra todas as perspectivas pessimistas (e reais) de que seu quadro melhore, simplesmente porque é apaixonado pela dádiva de viver.




Paixão! A capacidade de se encher de um sentimento inspirador que te leva adiante, que te permite construir as coisas com vontade, que te dá até o incrível dom de olhar para uma mesma coisa várias vezes ao longo da vida e sempre ver beleza nela, sempre se encantar por um mesmo propósito.Trata-se do combustível, que, sim, pode até ser momentâneo, mas que sem o mesmo não chegamos a ganhos duradouros, como sabedoria, resiliência, equilíbrio emocional, maturidade e amor. 

Agora, se isso gera dor, se isso gera incômodo, se o dicionário está certo, sinto muito, mas o mundo e a vida nos exigem a habilidade de saber lidar com a dor, de saber conviver com ela e, principalmente, de saber lidar com ela. O que é questionável, na verdade, é se a nossa geração está preparada para isso... Para que sofrer, não é? É mais fácil evitar a dor. Por que passar por ela? Não quero, prefiro o fácil, apenas o momento, o fazer sem interesse para ver no que vai dar. E, se for preciso, eu abandono o que não está do meu agrado no meio do caminho e pronto, recomeço. 

Essa esquiva, ou fuga, que deveria ser encarada como dor. Mas, isso é tão subjetivo, não é mesmo? E já que estamos no campo do subjetivo, onde tudo é passível de ser compreendido de acordo com nossas próprias impressões, prefiro recorrer à história do garoto que, ao ver uma borboleta tentando incansavelmente sair de seu casulo, resolveu ajudá-la usando uma tesoura para aumentar o tamanho da pequenina fresta pela qual ela tentava sair.  

O resultado desta ajuda? A borboleta caiu no chão, de asas flácidas, fraca e nunca poderia voar. Afinal, a fresta apertada é proposital, é o que faz a borboleta aplicar esforço o suficiente para fortalecer suas asas e, assim, poder voar. É fácil (e rápido) para ela sair de lá? De modo algum, deve doer muito! Por isso, é preciso paixão. Paixão por querer voar, paixão por querer viver, paixão por querer renascer.




Então, caro apaixonado, este é, na verdade, um convite para você também querer voar.


22 de novembro de 2015

Da necessidade de se reerguer

Nestes últimos dias, tenho ouvido de dois amigos, muito queridos, queixas sobre a vida que me chamaram a atenção por serem tão semelhantes. Entre um "eu não estou bem há um tempo" e um "eu não sei o que acontece comigo", seus desconfortos, apesar de terem motivações diferentes, giravam em torno de uma mesma essência: o desencanto pela vida diante de tantos problemas.

Com isso, um deles diz não ter vontade de sair do seu quarto, de fazer absolutamente nada. Enquanto o outro diz querer evitar qualquer contato com pessoas, lugares públicos e todo tipo de interação social. Consequências complicadas, afinal, isso gera um estado de letargia no ser humano, que o impede de seguir em frente, realizar ações e continuar caminhando. De modo geral, impede-o de viver.

E viver, vamos combinar, é uma luta diária, composta das batalhas que travamos com nós mesmos e com os outros ao redor. Toda batalha implica em ganhar ou perder e nem mesmos os melhores campeões são imbatíveis. Uma hora ou outra, quando menos se espera, você cai, é derrubado, surpreendido por um golpe da vida que não se aguardava, que veio de um lugar ou de uma pessoa inesperada. Tudo se quebra, se perde, se estilhaça. Restam os cacos, o líquido derramado, o sentimento de dor e de perda.

Aí, entra uma das maiores capacidades que a vida exige da gente: a necessidade de se reerguer. Trata-se de uma reação constante, que, vira e mexe, você precisa ativar para ser capaz de juntar os estilhaços causados pelos problemas, apagar as linhas tortuosas do trauma gerado, limpar a mancha deixada e seguir em frente. Levantar-se, ainda que se apoiando em algo ou alguém, ficar em pé e voltar a caminhar.


Fácil? Não, extremamente difícil. Aliás, e quando não se tem vontade de recomeçar? E quando não há desejo em voltar a caminhar? E pior: talvez eu não tenha essa capacidade de se reerguer... Pois é, pode acontecer, pode ser o seu caso, o meu caso ou o caso dos meus amigos. Porém, uma coisa é certa, trata-se de uma capacidade que pode ser desenvolvida ao longo da vida. A cada batalha, a cada problema enfrentado, a cada vitória conquistada, você se torna mais forte, mais capaz.

Porém, para isso, há algo que todos nós temos de ter para tornar esse processo de perdas e ganhos possível e realizável: vontade! Desejo de viver, gana de ir frente, motivação para continuar a fazer descobertas e ter aprendizados. Afinal, a vida não traça apenas perdas, mas também deixa muitos ganhos pelo caminho. E o segredo está em se apoiar nessas conquistas, tão boas, para ser capaz de passar pelas derrotas.


Ora, note que as coisas boas ficam, permanecem, elas são duradouras. Enquanto os males passam, são momentâneos; eles vêm e nos testam, depois se vão, cumprindo seu ciclo. É por isso que as conquistas são mais difíceis, vêm a longo prazo e precisam de paciência e persistência para acontecerem. E é por isso que o mal, curiosamente, sempre vem do nada, surge de repente, te surpreende e se esvai.

Observando esse curso natural das coisas, você já percebeu as coisas boas que estão ao seu redor? A família que você tem, o seu corpo e mente tão saudáveis e cheios de energia, o teto que te abriga, o alimento que você saboreia, os talentos que você cultiva, o filho que você gerou, os amores que você criou... Não consegues? 


Pois bem, toque em seu corpo. Veja como ele é perfeito e cheio de vida! Abrace e beije um ente querido, sinta a emoção do carinho entre vocês. Converse com alguém que você ama e peça para essa pessoa te mostrar como você é importante em sua existência. Olhe ao seu redor, note a beleza que te cerca.

Este é um exercício diário, que gera gratidão, felicidade e, sobretudo, a tal vontade de seguir em frente. E sabes o que é melhor? É que a própria vida se encarrega de colocar em seu caminho as valiosas, e tão belas, oportunidades de se reerguer, de aprender, de tornar a tarefa de seguir em frente mais possível. Seria muita sacanagem se ela não nos desse uma força, né?


Mas, acredite, ela é justa neste ponto. Justa e sutil. Talvez seja uma pessoa que cruzou o seu caminho ou que entrou em sua vida e te dá a oportunidade de ver as coisas por outro ângulo. Pode ser um trabalho novo que te abre um novo horizonte para a oportunidade de realizar feitos inimagináveis. Ou, infelizmente, seja uma doença, que chegou para te fazer superá-la e ter a oportunidade de dar graças pela vida. Até, quem sabe, a partida de uma pessoa amada, que morreu para que você fosse capaz de renascer e ter a oportunidade de se reconstruir.

Oportunidade... Tão sutil, tão necessária, tão bela. Com certeza, há alguma, neste momento, acontecendo em sua vida. Será uma mudança? Um novo amor? Uma perda? Será que você a está enxergando? Será que não está a deixando ir, sem aproveitá-la? O que a vida está te mostrando, hoje? O que você pode aprender para tornar possível, mais tarde, a capacidade de se reerguer?


Questione-se! Descubra! Aproveite. Mas, aproveite muito! Reerga-se e siga em frente! Pois, a próxima batalha já está chegando.



24 de janeiro de 2015

O preço do amor ao próximo



"E aí, vocês já deram o dinheiro pro bolão da virada?", disse o animado rapaz que entrara de repente na sala interrompendo o silêncio dos comunicólogos concentrados em seus computadores. Rapidamente, o barulho e a movimentação gerados pela capciosa pergunta botaram as pessoas a fazerem piadas e vislumbrarem possibilidades do que fariam se ganhassem o tal bolão. "Ta valendo XXX milhões!", justificou o sonhador com um sorriso que eu não o via carregar no dia a dia. Virando-se para mim, após todos darem seus trocos, perguntou, "e você? Já deu o seu?". "Não, obrigado. Eu não participo", tentei ser gentil, para não ser exilado numa sala para seres anormais. "Sério?! Por quê?". "Não acredito nesses jogos", expliquei com um sorriso forçado e sem graça.

Essa cena aconteceu logo no final de um ano. Note que eu não me lembro a quantia em jogo, mas sei que era um valor absurdamente alto. Na verdade, não prestei atenção ao valor, mas à reação das pessoas ao ouvi-lo. Achei curioso, sobretudo, o brilho nos olhos e o sorriso do camarada que estava organizando o bolão ao falar sobre o prêmio. Tão curioso quanto foi a reação imediata das pessoas. Em outra ocasião, com quase esse mesmo grupo de pessoas, lembro-me que um certo colega passou pedindo ajuda para uma ação social, ajuda essa que não envolvia doação, mas um esforço, uns minutos de atenção. "Agora não posso. Desculpe". "To totalmente sem tempo, se eu parar o que to fazendo agora me ferro". "Ai, depende. Do que você precisa?". Os que, com muito esforço, aceitaram participar não deram sinais de sorrisos, tampouco de brilho nos olhos.

Dois pesos e duas medidas nessa comparação? Sim, pode ser. Mas, fatos simples como esses do nosso cotidiano são pequenas provas que mostram o que é "valor" para nossa sociedade. A dinâmica da vida, ditada pelas relações de trabalho e de consumo, impulsiona a importância do bem material, daquilo que se pode mensurar. Parece que estamos o tempo todo correndo atrás de uma grande cenoura que nos é imposta, em busca da concretização do "eu cheguei lá", fazendo com que atropelemos tudo que for necessário para continuar nessa corrida. Assim, certos valores, como fraternidade e solidariedade, vão perdendo o sentido na hierarquia das prioridades.

Ora, então "dinheiro não compra felicidade". Mentira! Compra, sim. E ainda a multiplica. O recurso monetário permite acesso a uma série de elementos capazes de garantir uma excelente qualidade de vida: alimentação diferenciada, moradia digna, serviços de saúde que funcionam, transporte independente do oferecido ao público, um bom ensino, lazer enriquecedor. Isso só para abranger mais as necessidades básicas, nada de luxo.

Tais condições, é verdade, são uma realidade bastante característica do nosso país. É incompreensível saber que pessoas morrem em corredores de hospitais, enquanto temos um "impostômetro" escancarando valores da ordem de trilhão na nossa cara. Não dá para entender, por mais esforço que se faça em condescender com a gestão pública, como fomos capazes de mover tanto dinheiro para a infraestrutura da Copa do Mundo, ao passo que nossas escolas caem aos pedaços. Mais difícil ainda é aceitar que tantas tristezas só acontecem simplesmente porque a direção de nosso país está nas mãos de pessoas não preocupadas com o bem da população, responsável por colocá-las onde estão, mas por serem preocupadas em como garantir os próprios interesses: poder e dinheiro por quanto tempo for possível. Trata-se da hierarquia dos nossos valores. 

Porém, esse modus operandi não determina apenas a vergonhosa corrupção e dominância social do Brasil. Infelizmente, é uma realidade em todo o mundo. Neste mês, a ONG britânica Oxfam divulgou uma previsão, levando em conta o Fórum Econômico Mundial, de que, em 2016, o 1% mais rico da população mundial terá mais dinheiro do que os outros 99% juntos. Isso significa que cerca de 37 milhões de pessoas deterão, sozinhas, mais da metade dos bens e patrimônios existentes no mundo. A outra metade que restar, então, terá de ser dividida entre os bilhões de pessoas que compõem os 99%.

Pense, o que justifica tal divisão? Há indivíduos, ferozes capitalistas cuja alma de empreendedor almeja seu "primeiro milhão", que certamente responderiam que tal realidade é justa, oriunda de um processo que levou a essa concentração. Afinal, é natural ver aqueles que sabem "fazer dinheiro" enriquecerem e multiplicarem seus bens. Pois é, o problema aí está no fato desse não ser um crescimento sustentável, que beneficia a população como um todo. Determinado processo de enriquecimento, mérito do 1% de massa cinzenta agraciada com pó de ouro, beneficia apenas, e tão somente, aqueles que estão por cima. Quem está embaixo continuará lá.

Isso acontece principalmente porque não há divisão. E não, não estou me referindo a uma política pública fundamentada em Robin Hood. Mas à capacidade de dividir conhecimento, as condições de formar outras pessoas tão capazes de também construir e multiplicar bens. E me refiro a essa ação como "capacidade" porque se trata de uma habilidade que pouquíssimos possuem, pois envolve formar pessoas, algo que o nosso mundo não sabe fazer.

Empregar pessoas? Ilusão! O ato de "dar trabalho" a funcionários e "colaboradores" que poderão atuar nas indústrias e organizações não passa de usar uma massa de pessoas que darão duro para enriquecer uma pequena parcela que se mantém na "nata". O máximo que essa "base da pirâmide" ganhará com seu trabalho é um salário, apenas isso. E salário dá condições de sobrevivência, para, quem sabe, ter os elementos de uma boa qualidade de vida que citei anteriormente. 

Contudo, não são apenas as pessoas que sofrem com isso. Esse acúmulo de riqueza não sustentável também dá sinais na própria natureza. Nesta semana, o Boletim de Cientistas Atômicos (BAS) adiantou o "Relógio do Apocalipse" em dois minutos, uma forma de alerta sobre nossas condições globais. Agora, marcando três para a meia-noite no relógio, o BAS criticou os líderes globais em seu comunicado: "falharam em agir na velocidade ou escala requerida para proteger os cidadãos de uma potencial catástrofe". Ou seja, o motivo do alerta é o risco de nossa civilização culminar diante das tragédias climáticas. Assim, vemos que somos capazes de arrancar riquezas da natureza, mas não sabemos preservá-la.

Acerca desse quadro eu não consigo nutrir outro sentimento senão o pessimista. Você consegue ver alguma luz? Confesso que não consigo porque, observando os pequenos fatos do nosso cotidiano, fica nítido que a essência dessa dinâmica materialista já está impregnada em nossas relações. Está infiltrada, fundida, em cada um de nós. Já se tornou parte de nós. Dia a dia a reforçamos em nossas relações, trabalho e comportamento. Afinal, dependemos dela. Todos queremos uma vida melhor. Todos querem "chegar lá", ainda que seja por meio da sorte no bolão da virada. 

Entretanto, apesar de não ver otimismo, seria capaz de arriscar uma solução. Ainda que pareça impossível, acredito que uma das "possíveis" saídas seja algo simples, esquecido, já considerado ultrapassado e até, por vezes, ridicularizado: um sentimento, o sentimento de amor ao próximo. Sabe aquele, sobre o qual Jesus pregava, dizendo ser a chave da convivência? Pois é. Pode parecer papo de religião, mas à medida que cada pessoa, esteja entre o 1% ou os 99%, se preocupar com o que sua ação gerará de impacto nos outros ao seu redor, começaremos a desenrolar esse novelo de lã complexo que se tornou a nossa sociedade.  

Ora, mas amar o próximo significa dar as mãos. Unir seres de diferentes crenças, raças e cores. Importar-se com o bem-estar do pobre e incapaz. Olhar com carinho para aquele que me odeia. Entender e aceitar o comportamento do diferente. Enterrar os meus preconceitos, matar as minhas repulsas, passar por cima do meu orgulho. Sim, e isso custa caro. Mas, pelo visto, não queremos pagar o preço.