28 de novembro de 2015

Da capacidade de se apaixonar

"Paixão não é uma coisa boa. Eu, quando estou apaixonado, sofro. É algo que dói em mim, não sei como lidar". Certa vez, ouvi isso como resposta, ou como esquiva, quando me declarei apaixonado por alguém. Confesso que foi a primeira vez que tive como feedback uma conotação negativa do conceito de se apaixonar. E, como argumento, esta pessoa ainda me expôs: você já viu o significado de paixão no dicionário?

E o argumento tem coerência. Segundo o dicionário online Michaelis, paixão pode ser considerada desgosto, mágoa ou sofrimento prolongado. Já para o Priberam, "perturbação ou movimento desordenado do ânimo" e "grande desgosto, grande pesar" são os significados mais marcantes. Daí, depreende-se o conceito de "Paixão de Cristo". Mas, será que se apaixonar é só sofrer?

Se for apenas isto, dá para compreender porque vivemos numa época em que é condenado se apaixonar. Num ciclo em que decepcionamos e somos decepcionados o tempo todo, estabeleceu-se a máxima "nunca crie expectativas", máxima esta que já foi tema de livros, vive circulando em posts nas redes sociais e é a regra de ordem para os relacionamentos atuais, sobretudo os amorosos.

Assim, no receio, ou quase certeza, de que sempre vamos nos dar mal no final, é melhor não criar expectativas. Não dê o braço a torcer, deixe que o outro venha atrás, este é o jogo... Dose suas pretensões, isso pode dar em nada... Messe sua esperança, já vi outros se darem mal assim e no fim sempre acaba do mesmo jeito... Falas que já perpetuam os conselhos de qualquer conversa de botequim.




O problema dessas verdades incontestáveis? É que estamos nos tornando uma geração completamente apática, sem brilho nos olhos, que se resguarda logo de cara de se envolver com qualquer coisa já pensando num futuro próximo em que irá sofrer (se é que a nossa geração sabe bem o que é sofrimento e, sobretudo, o que é futuro).

Um fato cabal que corrobora tal realidade é a dificuldade encontrada pelas gerações mais novas de se envolver com algo. Temas de reportagens, novelas e documentários, fala-se muito de como a Geração Y vive "de galho em galho" no mercado de trabalho, porque simplesmente não se para em emprego algum. E, da mesma forma, discute-se muito o problema da Geração Z que se encontra na situação "nem nem", ou seja, nem trabalham, nem estudam. Nada os encanta o suficiente para atrai-los, segurá-los por muito tempo, pois é tudo imediatista, momentâneo, experimental.




Dessa forma, vamos vivendo apenas de momentos, nos esvaecendo da capacidade de perdurar em nossos propósitos, de construirmos algo que nos exige tempo, paciência e persistência. E aí, caros defensores do bordão "não crie expectativas", não há como se relacionar bem com o longo prazo se não houver vontade, tesão, gana, desejo e, finalmente, a tal paixão. 

É a paixão que permite nos encantarmos por algo. Se aliada a um propósito sólido e maior e às nossas convicções, é este sentimento, que a princípio gera dor, que vai nos levar adiante. Dele vem a beleza para encher os nossos olhos e acender a nossa chama interna.

E como essa chama interna é crucial em tudo que fazemos! Como é bonito, por exemplo, um casal que completa bodas de ouro ter a capacidade de se apaixonar dia após dia um pelo outro, por diferentes motivos, com diferente razões, perdurando sua relação acesa e apaixonante. Como é admirável uma carreira construída por décadas na qual o profissional se apaixona, dia após dia, por aquilo que faz, por tudo que está construindo, pelos frutos colhidos e pelas sementes plantadas pelo caminho.

Ou, ainda, uma causa social que perdura ano após ano, promovendo reflexões e construindo o bem por mais que este planeta se mostre cada vez mais difícil e doente, com a capacidade de se apaixonar a cada novo passo, não se deixando esmorecer. E, quem sabe, um doente na cama de hospital que luta incansavelmente pela sua vida, indo contra todas as perspectivas pessimistas (e reais) de que seu quadro melhore, simplesmente porque é apaixonado pela dádiva de viver.




Paixão! A capacidade de se encher de um sentimento inspirador que te leva adiante, que te permite construir as coisas com vontade, que te dá até o incrível dom de olhar para uma mesma coisa várias vezes ao longo da vida e sempre ver beleza nela, sempre se encantar por um mesmo propósito.Trata-se do combustível, que, sim, pode até ser momentâneo, mas que sem o mesmo não chegamos a ganhos duradouros, como sabedoria, resiliência, equilíbrio emocional, maturidade e amor. 

Agora, se isso gera dor, se isso gera incômodo, se o dicionário está certo, sinto muito, mas o mundo e a vida nos exigem a habilidade de saber lidar com a dor, de saber conviver com ela e, principalmente, de saber lidar com ela. O que é questionável, na verdade, é se a nossa geração está preparada para isso... Para que sofrer, não é? É mais fácil evitar a dor. Por que passar por ela? Não quero, prefiro o fácil, apenas o momento, o fazer sem interesse para ver no que vai dar. E, se for preciso, eu abandono o que não está do meu agrado no meio do caminho e pronto, recomeço. 

Essa esquiva, ou fuga, que deveria ser encarada como dor. Mas, isso é tão subjetivo, não é mesmo? E já que estamos no campo do subjetivo, onde tudo é passível de ser compreendido de acordo com nossas próprias impressões, prefiro recorrer à história do garoto que, ao ver uma borboleta tentando incansavelmente sair de seu casulo, resolveu ajudá-la usando uma tesoura para aumentar o tamanho da pequenina fresta pela qual ela tentava sair.  

O resultado desta ajuda? A borboleta caiu no chão, de asas flácidas, fraca e nunca poderia voar. Afinal, a fresta apertada é proposital, é o que faz a borboleta aplicar esforço o suficiente para fortalecer suas asas e, assim, poder voar. É fácil (e rápido) para ela sair de lá? De modo algum, deve doer muito! Por isso, é preciso paixão. Paixão por querer voar, paixão por querer viver, paixão por querer renascer.




Então, caro apaixonado, este é, na verdade, um convite para você também querer voar.


22 de novembro de 2015

Da necessidade de se reerguer

Nestes últimos dias, tenho ouvido de dois amigos, muito queridos, queixas sobre a vida que me chamaram a atenção por serem tão semelhantes. Entre um "eu não estou bem há um tempo" e um "eu não sei o que acontece comigo", seus desconfortos, apesar de terem motivações diferentes, giravam em torno de uma mesma essência: o desencanto pela vida diante de tantos problemas.

Com isso, um deles diz não ter vontade de sair do seu quarto, de fazer absolutamente nada. Enquanto o outro diz querer evitar qualquer contato com pessoas, lugares públicos e todo tipo de interação social. Consequências complicadas, afinal, isso gera um estado de letargia no ser humano, que o impede de seguir em frente, realizar ações e continuar caminhando. De modo geral, impede-o de viver.

E viver, vamos combinar, é uma luta diária, composta das batalhas que travamos com nós mesmos e com os outros ao redor. Toda batalha implica em ganhar ou perder e nem mesmos os melhores campeões são imbatíveis. Uma hora ou outra, quando menos se espera, você cai, é derrubado, surpreendido por um golpe da vida que não se aguardava, que veio de um lugar ou de uma pessoa inesperada. Tudo se quebra, se perde, se estilhaça. Restam os cacos, o líquido derramado, o sentimento de dor e de perda.

Aí, entra uma das maiores capacidades que a vida exige da gente: a necessidade de se reerguer. Trata-se de uma reação constante, que, vira e mexe, você precisa ativar para ser capaz de juntar os estilhaços causados pelos problemas, apagar as linhas tortuosas do trauma gerado, limpar a mancha deixada e seguir em frente. Levantar-se, ainda que se apoiando em algo ou alguém, ficar em pé e voltar a caminhar.


Fácil? Não, extremamente difícil. Aliás, e quando não se tem vontade de recomeçar? E quando não há desejo em voltar a caminhar? E pior: talvez eu não tenha essa capacidade de se reerguer... Pois é, pode acontecer, pode ser o seu caso, o meu caso ou o caso dos meus amigos. Porém, uma coisa é certa, trata-se de uma capacidade que pode ser desenvolvida ao longo da vida. A cada batalha, a cada problema enfrentado, a cada vitória conquistada, você se torna mais forte, mais capaz.

Porém, para isso, há algo que todos nós temos de ter para tornar esse processo de perdas e ganhos possível e realizável: vontade! Desejo de viver, gana de ir frente, motivação para continuar a fazer descobertas e ter aprendizados. Afinal, a vida não traça apenas perdas, mas também deixa muitos ganhos pelo caminho. E o segredo está em se apoiar nessas conquistas, tão boas, para ser capaz de passar pelas derrotas.


Ora, note que as coisas boas ficam, permanecem, elas são duradouras. Enquanto os males passam, são momentâneos; eles vêm e nos testam, depois se vão, cumprindo seu ciclo. É por isso que as conquistas são mais difíceis, vêm a longo prazo e precisam de paciência e persistência para acontecerem. E é por isso que o mal, curiosamente, sempre vem do nada, surge de repente, te surpreende e se esvai.

Observando esse curso natural das coisas, você já percebeu as coisas boas que estão ao seu redor? A família que você tem, o seu corpo e mente tão saudáveis e cheios de energia, o teto que te abriga, o alimento que você saboreia, os talentos que você cultiva, o filho que você gerou, os amores que você criou... Não consegues? 


Pois bem, toque em seu corpo. Veja como ele é perfeito e cheio de vida! Abrace e beije um ente querido, sinta a emoção do carinho entre vocês. Converse com alguém que você ama e peça para essa pessoa te mostrar como você é importante em sua existência. Olhe ao seu redor, note a beleza que te cerca.

Este é um exercício diário, que gera gratidão, felicidade e, sobretudo, a tal vontade de seguir em frente. E sabes o que é melhor? É que a própria vida se encarrega de colocar em seu caminho as valiosas, e tão belas, oportunidades de se reerguer, de aprender, de tornar a tarefa de seguir em frente mais possível. Seria muita sacanagem se ela não nos desse uma força, né?


Mas, acredite, ela é justa neste ponto. Justa e sutil. Talvez seja uma pessoa que cruzou o seu caminho ou que entrou em sua vida e te dá a oportunidade de ver as coisas por outro ângulo. Pode ser um trabalho novo que te abre um novo horizonte para a oportunidade de realizar feitos inimagináveis. Ou, infelizmente, seja uma doença, que chegou para te fazer superá-la e ter a oportunidade de dar graças pela vida. Até, quem sabe, a partida de uma pessoa amada, que morreu para que você fosse capaz de renascer e ter a oportunidade de se reconstruir.

Oportunidade... Tão sutil, tão necessária, tão bela. Com certeza, há alguma, neste momento, acontecendo em sua vida. Será uma mudança? Um novo amor? Uma perda? Será que você a está enxergando? Será que não está a deixando ir, sem aproveitá-la? O que a vida está te mostrando, hoje? O que você pode aprender para tornar possível, mais tarde, a capacidade de se reerguer?


Questione-se! Descubra! Aproveite. Mas, aproveite muito! Reerga-se e siga em frente! Pois, a próxima batalha já está chegando.